São Paulo, sábado, 29 de julho de 2006

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Desenvolvimentistas apostam em América do Sul mais autônoma

Seminário no Rio debate relação entre integração regional e política externa

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A entrada da Venezuela no Mercosul e as decisões de Brasil e Argentina de quitarem suas dívidas com o FMI são sinais de que os maiores países da América do Sul estão caminhando para uma política externa menos dependente da norte-americana e dos organismos multilaterais de financiamento.
Essa análise foi comum a vários participantes do seminário "Pobreza e Desenvolvimento no Contexto da Globalização", realizado na semana passada no Rio pelo Centro Internacional Celso Furtado, criado no ano passado por discípulos do economista e ministro do Planejamento no governo João Goulart (1961-1964), morto em 2004.
O tom dos participantes, a maioria ligada ao desenvolvimentismo, era de otimismo em relação aos acontecimentos recentes na região. O economista da Universidade de Buenos Aires Aldo Ferrer, por exemplo, defendeu a tese de que a adoção de posições conjuntas dos países do Mercosul em processos de negociação internacionais -como as discussões sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e na OMC (Organização Mundial de Comércio)- fortaleceu a autonomia desses países.
"Quando um país estabelece relações especiais por meio de acordos de livre comércio com as potências industriais maiores, reduz o campo de integração possível com os outros países da região. Nesse sentido, o espaço onde se preservou maior liberdade possível foi o Mercosul. Isso ficou claro no processo de negociação da formação da Alca", disse Ferrer.

Disparidades regionais
O sociólogo Hélio Jaguaribe, concordando com Ferrer, afirmou que a inclusão da Venezuela no Mercosul demonstra que há um interesse comum de vários governos da região de "superar o entrave do neoliberalismo" e de apostar em políticas de desenvolvimento. Para ele, no entanto, a integração sul-americana tem que levar em conta algumas disparidades regionais.
"Temos vários países que ainda não lograram consolidar o seu Estado nacional, como é o caso dos andinos. Esses e outros, especialmente os da costa do Pacífico, estão intimamente associados aos EUA, o que não permite que sua independência seja comparável àquela que está sendo realizada pelos países que integram o Mercosul. Somente uma integração maior na América do Sul permitirá que os países preservem ou ampliem a margem de autonomia de que ainda dispõem", disse Jaguaribe.
No mesmo seminário, Mark Weisbrot, diretor do Centro de Economia e Políticas Públicas, com sede nos EUA, viu na decisão de Argentina e Brasil de quitarem suas dívidas com o FMI uma prova de que a influência do fundo na América Latina está em queda.
No caso da Venezuela, Weisbrot citou os casos recentes de apoio, inclusive financeiro, que esse país deu recentemente à Argentina e à Bolívia. No caso da Argentina, a Venezuela comprou US$ 2,5 bilhões em títulos da dívida externa daquele país. No caso da Bolívia, o presidente Hugo Chávez anunciou em maio que faria o mesmo e ainda fez investimentos diretos no país por meio da estatal venezuelana PDVSA.
Ferrer, Weisbrot e Jaguaribe disseram enxergar no atual cenário político sul-americano uma oportunidade para a criação de um banco próprio que fomente o desenvolvimento na região sem estar vinculado às diretrizes do FMI.
"A idéia de fazer um banco do Mercosul, usando 5% das reservas disponíveis nos Bancos Centrais dos países membros, já é um bom começo", defendeu o sociólogo.
Para Ferrer, além da criação de um fundo para fortalecimento do bloco, é preciso avançar também no sentido de criar um tribunal permanente de revisão e um parlamento para tratar das questões comuns ao Mercosul.


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