São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ORIENTE MÉDIO

"O processo de paz é impopular, não há como negar", diz Saeb Erekat, negociador da ANP com israelenses

Frustrados, palestinos questionam líderes

FÁBIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA,
NA CISJORDÂNIA


Frustrados com o fracasso do processo de paz, decepcionados com seus líderes políticos e assustados com o colapso da ordem na Cisjordânia e em Gaza, palestinos sob ocupação israelense estão cada vez mais defendendo o abandono de soluções políticas em favor do retorno a um movimento nacional de resistência.
A sensação de pessimismo foi capturada recentemente pelo Escritório Palestino de Estatísticas, que realiza pesquisas de opinião nos territórios ocupados. Em maio, um levantamento mostrou que 41,7% da população esperava que a situação piorasse nos seis meses seguintes. Apenas 20,4% vislumbraram alguma melhora.
Outra pesquisa, de dezembro passado, apontou que 57,6% dos jovens palestinos acreditavam que nunca haveria paz com Israel; e somente 12,6% esperavam paz no curto prazo. Além disso, 44,5% queriam que a Intifada (levante contra a ocupação de Israel) continuasse; e só 15,6%, que desse lugar a um movimento pacífico.
Segundo acadêmicos, ativistas, estudantes e políticos ouvidos pela Folha na Cisjordânia, o ambiente sombrio tem um novo elemento, além da revolta contra a ocupação.
Há um sentimento de decepção com a Autoridade Nacional Palestina (ANP), o governo com poderes limitados criado pelos acordos de Oslo, em 1993.
Uma das raízes desse mal-estar seria a disputa de poder na ANP, que opõe a "velha guarda" ligada ao líder Iasser Arafat -vista como corrupta e autoritária- aos novos líderes que pressionam por mudanças, lançando mão da violência. Começaram a ocorrer ataques a postos policiais e a autoridades da ANP, bem como seqüestros-relâmpago de estrangeiros.
"Eu sou impopular, o processo de paz é impopular. Não há como negar", disse Saeb Erekat, principal negociador palestino com os israelenses, em palestra em Jericó, que a Folha acompanhou. "Não somos perfeitos, há corrupção, temos de admitir."
Nos territórios palestinos, o coro dos que consideram traição negociar com Israel é forte. Erekat teve de ouvir ataques furiosos de estudantes. "Você diz que os israelenses nos destroem, mas está sempre pronto a apertar suas mãos", disse um deles.
Algumas vozes, apesar de pouparem Arafat por sua biografia, defendem o desmantelamento de seu governo. "A ANP serve apenas para legitimar a ocupação e desviar o foco para temas como corrupção e disputas políticas internas. Estão fazendo o jogo dos israelenses", afirmou Amira Silmi, da Pengon, uma rede de ONGs palestinas.
"A ANP tem de acabar, e temos de voltar a um movimento de resistência nacional, sermos fortes de novo para falar de igual para igual com Israel", disse.
Ramda Nasser, professora de sociologia da Universidade de Bir Zeit, a principal dos territórios palestinos, diz que a sensação, principalmente entre os jovens, é que se abriu um "golfo" entre os líderes políticos e a população.
"Os jovens que pegam em armas hoje sentem-se órfãos por causa de uma liderança corrupta e autoritária. Não se identificam com seus líderes políticos nem com a elite empresarial ou acadêmica. Estão cansados de muita conversa e pouco resultado", afirmou.
Um exemplo disso é o que dá Abdul al Fatah, 20, estudante de informática da Universidade de Jenin. Apesar de dizer que não está envolvido com nenhum grupo armado, ele reprova todos os movimentos na direção de uma solução política. "Não acredito em políticos. Eu me recuso a votar se houver eleição."
O estudante não esconde a insatisfação com as promessas de paz após os acordos de Oslo: "Venderam-nos um produto estragado. Estavam todos bêbados quando assinaram aqueles acordos".
Para Erekat, as vozes descontentes são compreensíveis, mas devem ser relativizadas. "A maioria da população quer a paz. Quem nos empurra para o caos é Israel, que inviabiliza a Autoridade Nacional Palestina." Para ele, a violência entre palestinos nos territórios ocupados não é exemplo de disputa de poder, mas apenas criminalidade comum.
"Os israelenses não nos deixam ter uma polícia equipada. Toda noite temos blecautes. Fica fácil prever o resultado dessa combinação", argumenta Erekat.


Texto Anterior: AL: PT culpa EUA pela libertação de anticastristas
Próximo Texto: Refugiados de Chatila reverenciam Arafat
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.