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Ameaça de cartel não inibe imigrantes
Na fronteira dos EUA com México, ilegais viram mina de ouro para traficantes, mas sonho americano resiste
"Hoje saímos e amanhã já estamos de volta", relata um trabalhador mexicano que já foi preso 3 vezes nos EUA
GABRIELA MANZINI
ENVIADA ESPECIAL A MATAMOROS
Eles são de todos os Estados mexicanos, e também estrangeiros. De todas as idades. Homens ou garotas levando filhos no colo.
Um dia, deixam as famílias e gastam centenas de dólares com um coiote (atravessador) que promete ajudar
no desafio de encarar frio, calor, rio e montanha para cruzar a pé a divisa com os EUA.
Nos últimos anos, os imigrantes viraram mina de ouro para os narcocartéis mexicanos, que se aproveitam da
fragilidade gerada pela ilegalidade para sequestrá-los, extorqui-los e violentá-los, quase sempre impunemente.
O massacre de 72 na segunda em San Fernando, no
Estado fronteiriço de Tamaulipas, foi só mais um dos muitos casos de perseguição.
"Hoje saímos [dos EUA] e
amanhã já estamos de volta", diz o mexicano Adolfo
Martínez López, 28, que já
cruzou a fronteira três vezes,
duas com sucesso. A Folha o
encontrou em um abrigo para imigrantes na cidade fronteiriça de Matamoros.
López emigrou pela primeira vez em 96, com a família. Dois anos depois, foi flagrado e repatriado. Em 2009,
tentou duas vezes se reunir
com a mulher e as filhas, que
vivem na Carolina do Norte.
Agora, cogita desistir: "[O
deserto] é muito duro, uma
experiência única. Já vi muito lá. Cadáveres, animais como as serpentes. Elas são as
piores porque atacam, e nem
sempre você conhece o terreno em que está pisando".
Nenhum obstáculo abala o
também mexicano Candido
de Jesús, 33, que, desde 2002,
é deportado "a cada oito meses ou um ano". "A última foi
ontem à noite. Toda vez a polícia [estadual] me pega e me
entrega à federal, que me deporta. Cruzar toma quatro ou
cinco noites, mas não tenho
medo. Gosto de saber que estou burlando [os EUA]."
Quando está nos EUA, Jesus trabalha com construção
e pintura. Ele admite que a
prosperidade diminuiu por
causa da crise econômica,
mas diz que a situação ainda
é melhor que a do México.
"Trabalhar de dois a três
dias por semana está bom.
Rende US$ 200, US$ 300. E,
em Washington, há lugares
que distribuem comida."
Os imigrantes apontam a
brevidade da prisão prévia à
deportação como fator que
motiva novas entradas. O alto custo dos coiotes é o problema. "Mas gosto dos EUA;
vou voltar até que digam que
não posso mais entrar ou que
me coloquem um bom tempo
na prisão", diz Jesús.
Rosa Dominguez Ramos,
48, da Casa do Migrante de
Matamoros, onde vivem López e Jesús, conta receber
centro e sul-americanos que
mentem sobre a nacionalidade. Preferem ser repatriados
ao México, para ficarem perto da fronteira. Por isso, López chama a proximidade de
"luxo". "Os brasileiros,
quando deportados, demoram muito para voltar."
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