São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010

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Fast food agrava crise de civilidade entre americanos"

Tese é defendida por professora californiana, que vê reflexos na situação de radicalismo político do país

Estudos mostram que pessoas gastam apenas 20 minutos por refeição, o que desestimularia conversa e tolerância

CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK

Há uma "crise de civilidade" nos Estados Unidos que afeta principalmente a política, e uma das razões para isso é o fato de as pessoas dedicarem cada vez menos tempo às refeições em grupo.
A tese está no livro "The Taste for Civilization - Food, Politics and Civil Society" (o gosto pela civilização - comida, política e sociedade civil; à venda na Amazon.com por cerca de R$ 40, mais taxas), da cientista política Janet Flammang, 62.
Professora da Universidade Santa Clara, na Califórnia, Flammang diz que a "arte da conversação" é aprendida à mesa, onde "há um incentivo para discordar sem dar aos outros uma indigestão".
Em entrevista à Folha, Flammang diz ver esse problema refletido no Congresso, onde os "políticos de partidos diferentes não socializam". Em outubro, ela participa de painel promovido pelo governo para discutir o assunto, parte do "tour da civilidade por 50 Estados".
A iniciativa é de Jim Leach, ex-congressista que foi nomeado pelo presidente Barack Obama como titular do National Endowment for the Humanities, agência do governo dedicada a apoiar pesquisa, educação e programas públicos em humanidades.
Leach viaja pelo país, desde o fim de 2009, dando palestras sobre "o discurso do ódio e os seus perigos". Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

 

Folha - A sra. diz, em seu livro, que a democracia se beneficiaria de refeições mais longas. Como relaciona as duas coisas?
Janet Flammang - Desenvolver a arte da conversação é extremamente importante para aprender a discordar de forma civilizada. E aprendemos essa arte à mesa.
Quanto menos tempo dedicamos às refeições, mais colocamos essa habilidade em perigo.
À mesa, há um incentivo para discordar sem dar aos outros uma indigestão.
Muito da política atual nos EUA é uma política de ataque, na qual se quer marcar pontos e derrubar o oponente, e não ouvir.
O foco do livro é a conversação. A conversa não é uma discussão, há regras sobre como ouvir, esperar a vez e guardar o que tem a dizer. A coisa mais próxima de uma conversa é a diplomacia, que todos nós achamos ser extremamente importante.
O que me intriga é: por que não estudamos como fazer as pessoas se comportarem com diplomacia?

Isso está piorando? A conversa está morrendo?
Sim. Há muitos estudos que indicam que gastamos, em média, 20 minutos no jantar, à mesa, e mais e mais pessoas já nem se sentam para dividir uma refeição, pegam algo e saem correndo.
Meu livro é sobre a situação americana, mas há evidências de que outras culturas estão se tornando mais como os EUA, onde o trabalho é a coisa mais importante e você é consumido por atividades.
As pessoas não param para pensar no custo de não se sentar e ter conversas, e cara a cara, porque é claro que muita coisa hoje é eletrônica.

Quais são os sinais de falta de civilidade nos EUA?
Podemos começar pelo Congresso. Tem havido forças-tarefa pela civilidade promovidas por congressistas, que dizem que perdemos a civilidade na Casa, a habilidade de socializar com pessoas de outro partido e de discordar.
Muito disso se relaciona à chamada revolução republicana de 1994, quando Newt Gingrich tomou conta [da Câmara dos Representantes].
Muitos veem isso como um ponto-chave, porque ele disse aos republicanos que voltassem aos seus distritos todos os finais de semana e não mudassem suas famílias para Washington.
Isso significou que havia muito pouca socialização entre congressistas. Hoje, as salas de jantar estão vazias, eles não socializam.

As iniciativas de Michelle Obama [pela alimentação orgânica e contra a obesidade infantil] tiveram resultado?
Qualquer coisa que a Casa Branca faça tem grande importância simbólica. E as pessoas que trabalham na Casa Branca estão muito mais sensíveis a essas questões do que antes.
Não só o Departamento da Agricultura, mas outros departamentos estão mais preocupados com produtos de qualidade e com a crise da obesidade. Michelle não tem poder oficial, mas, nos EUA, o comportamento da "primeira família" tem grande importância simbólica.

Repito uma pergunta que a sra. faz: como é possível encontrar tempo para rituais alimentares em uma cultura acelerada e workaholic?
Depende de cada lar, não há uma resposta única.
Sei que em lares em que os salários são baixos é muito difícil, mas a primeira medida a tomar é encontrar uma maneira para que haja pelo menos um jantar comum [por semana].
Questiono também o número de horas que os americanos dedicam ao trabalho. Devemos ter cargas horárias mais humanas, para que os pais possam voltar para casa antes de os filhos dormirem.
A Europa tem dias mais curtos e igual produtividade. Falo no livro sobre o modelo europeu de menos horas, mais tempo para a vida.


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