São Paulo, terça-feira, 29 de setembro de 2009

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Brasil e EUA elevam o tom em debate na OEA

Washington chama volta de Zelaya de "irresponsável e tola"; Brasília diz que organização caminha para irrelevância

Devido à falta de consenso, entidade aprova texto sem assinatura dos dois países; EUA recuam ainda de apoio a moção antigolpe na ONU

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Num dos momentos mais tensos nas relações entre Brasil e EUA desde que Barack Obama assumiu o poder, em janeiro, os representantes dos dois países na OEA (Organização dos Estados Americanos) elevaram o tom durante reunião extraordinária convocada para discutir a crise em Honduras, ontem, em Washington.
Os diplomatas do Conselho Permanente da OEA, o qual integram os dois países, discutiam termos da declaração que seria divulgada no início da noite. No lugar, por falta de consenso, saiu texto assinado só pelo presidente do Conselho, Pedro Oyarce, e pelo secretário-geral, José Miguel Insulza.
Nele, os dois exigem respeito à inviolabilidade da Embaixada do Brasil em Honduras e às imunidades e privilégios de seus funcionários e ameaçam com ação conjunta da comunidade internacional em caso contrário. Além disso, deploram a expulsão no domingo de grupo de diplomatas enviados pela OEA àquele país.
Antes, durante a reunião, o representante interino americano iniciou sua intervenção chamando de "deplorável e tola" a decisão do regime golpista de expulsar os diplomatas. "Essas ações constituem um insulto à comunidade internacional e a essa organização", disse W. Lewis Amselem. Então, ele se dirigiu ao presidente deposto, Manuel Zelaya, e aos que o ajudaram a voltar a Honduras. "O retorno do presidente Zelaya a Honduras antes de um acordo foi irresponsável e tolo", disse. "Os que facilitaram sua volta nas atuais condições têm responsabilidade especial de prevenir a violência e zelar pelo bem-estar do povo hondurenho", continuou, sem citar nomes -há suspeita nos meios diplomáticos de que o Brasil sabia de antemão dos planos do deposto, o que o governo nega.
Mais adiante, repetiu a crítica. "Em várias ocasiões, pedimos ao presidente Zelaya que não voltasse a Honduras antes de que um acordo político fosse atingido", disse Amselem. "Estávamos preocupados precisamente com os distúrbios que estão acontecendo agora. Tendo escolhido, com ajuda externa, retornar em seus próprios termos, ele e aqueles que facilitaram seu retorno são particularmente responsáveis pelas ações de seus seguidores."
Na sua vez de falar, Ruy Casaes, o representante brasileiro, disse: "As autoridades e os representantes do regime "de facto" atribuíram responsabilidade ao Brasil pelo regresso do presidente Zelaya a Honduras.
Isso é uma mentira deslavada. O presidente apresentou-se à Embaixada do Brasil pedindo para ali ser acolhido".
Na sequência, Casaes usou palavras duras contra a OEA e os que apresentavam entrave a declaração mais forte sobre o ocorrido. Referia-se sem citar ao representante americano, que liderava a movimentação por texto mais ameno, que não mencionasse, por exemplo, que a OEA condenaria o resultado das eleições presidenciais de novembro caso ocorressem sem a restituição de Zelaya.
"Sou forçado a confessar que cada vez mais me vejo defrontado com um fato inequívoco: a OEA está caminhando para um absoluto estado de irrelevância", disse Casaes. Reclamou então sobre o pouco efeito prático das ações tomadas até agora pela entidade. "Sem algo concreto, que envie uma mensagem inequívoca, seja ao regime de facto, seja aos candidatos à Presidência, não valem absolutamente nada e apenas desacreditam essa organização."
O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, PJ Crowley, foi mais contido. Disse que o regime golpista "estava cavando a própria cova". Indagado se concordava com a crítica do colega da OEA sobre a volta de Zelaya, respondeu: "Ele está lá. E, na medida em que ele está lá e há uma oportunidade para o diálogo, nós esperamos que ambos os lados aproveitem a oportunidade".
A Chancelaria americana condenou ainda a decretação de estado de exceção pelo governo Micheletti. "Exortamos o governo de facto a revogá-lo imediatamente", diz em nota.
Já em Genebra, os EUA recuaram do apoio tácito que haviam dado à resolução proposta pelo Brasil que condena Honduras no Conselho de Direitos Humanos da ONU. O texto deve ser lido em plenário nesta semana, quando o Brasil espera aprovação por consenso. Mas representantes da Chancelaria disseram à Folha que esperarão para "ver a versão final".
Diplomatas brasileiros estranharam a posição, já que os EUA não apresentaram objeções, e a maioria de suas sugestões foi incorporada ao texto.


Colaborou LUCIANA COELHO , de Genebra

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