São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2006

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Atolada no Iraque, coalizão busca saída

Britânicos e americanos já debatem abertamente, mas sem consenso, a estratégia para tirar tropas do país "com honra"

Com aumento das baixas militares, surto de violência sectária e recrudescimento da insurgência, guerra passa a ser comparada com Vietnã

Mark Wilson/Getty Images/France Presse
Cerimônia homenageia militar americano morto no Iraque, em Arlington, Estado de Virginia


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Estratégia de saída" é a expressão da moda entre militares e diplomatas anglo-americanos. Significa encontrar um meio de sair "com honra" -isto é, sem derrota-, da situação em que se meteram no Iraque invadido e ocupado desde março de 2003.
O debate ficou mais intenso depois das declarações feitas no começo do mês pelo general britânico sir Richard Dannatt, chefe do Estado-Maior do Exército, sugerindo que quanto mais cedo os soldados voltarem, melhor. Tanto para o Exército, que se desmoraliza com a missão, como para os iraquianos, que querem ver os estrangeiros longe dali.
E também porque neste outubro já morreram mais de 70 soldados americanos no Iraque, o maior número por mês nos últimos dois anos.
Não há consenso algum ainda. Até recorrer à Síria e ao Irã, países com os quais os EUA mantém relações tensas, entrou no debate.
A discussão lembra aquela sobre a mãe de todas as estratégias de saída -a decisão de sair da Guerra do Vietnã, nos anos 60 e 70. Curiosamente, até alguns dos personagens históricos que debateram -e mesmo implementaram- a saída da velha guerra dão agora suas sugestões sobre como proceder.
O caso mais recente é o do candidato presidencial democrata derrotado em 1972, George McGovern. Com uma campanha violentamente contra a Guerra do Vietnã, McGovern, perdeu feio para o então presidente Richard Nixon, que foi quem teve que na prática implementar a "saída".
McGovern agora produziu um livro defendendo a saída do Iraque, junto com o historiador William Polk, um especialista em Oriente Médio. Um trecho do livro "Out of Iraq" ("Fora do Iraque") foi publicado na edição deste mês da revista "Harper's".
Quanto mais as tropas americanas ficarem no Iraque, mais recrutas vão inundar as fileiras daqueles que se opõem à América não só no Iraque mas em toda parte", dizem eles.
De fato, o próprio governo dos EUA reconheceu em relatório recente que o país ocupado virou um ímã para todo radical islâmico querendo atacar o Ocidente e, especialmente, seu país mais poderoso.

Cifras
A dupla cita as inacreditáveis despesas que os EUA estão tendo com a ocupação, mostrando como frações desses recursos poderiam proporcionar um melhor sistema de saúde, ou treinar melhor a polícia do país.
São US$ 246 milhões gastos por dia, "mais de US$ 10 milhões por hora", afirmam McGovern e Polk.
Comparando com o que faz a ONU, a cifra fica ainda mais surpreendente. O orçamento anual das 16 missões de paz em andamento, além de duas outras missões políticas, é de US$ 5 bilhões. Em 1º de outubro passado havia 69.740 soldados usando os capacetes azuis da organização, além de 8.028 policiais e 15.394 civis -um total de 93.162 homens e mulheres.
Já os EUA gastam hoje em torno de US$ 4,5 bilhões por mês apenas nas suas operações militares no Iraque, onde estão cerca de 140 mil soldados e fuzileiros navais americanos.
McGovern e Polk acham fundamental a saída das tropas anglo-americanas, que poderiam ser substituídas no curto prazo por soldados em menor número de uma força de paz de países de maioria muçulmana, como Marrocos, Egito, Tunísia, ou mesmo Jordânia e Síria.
Outro veterano das lutas políticas da era Vietnã, o ex-secretário de Estado de Nixon, Henry Kissinger, lembra que o conflito no Iraque tem dimensões bem menores, em termos de baixas. Em 1968 as tropas americanas registravam cerca de 400 mortos e feridos por semana no Vietnã, lembrou ele em artigo no jornal "The Washington Post", no ano passado.
O Vietnã era um osso bem mais duro de roer. Os insurgentes tinham apoio do então Vietnã do Norte, da China e da antiga União Soviética. A guerra foi decidida em 1975 por uma invasão convencional de forças regulares norte-vietnamitas.
"A estratégia americana vai dar certo ou falhar não se ela mantiver a situação de segurança existente, mas sim se a capacidade de aperfeiçoá-la for aumentada. Vitória sobre a insurgência é a única estratégia de saída que faz sentido", afirma o ex-secretário de Estado.
Para o historiador Max Hastings, a invasão do Iraque lembra a piada sobre o sujeito que perde as lentes de contato em um beco escuro e decide procurá-las na esquina, pois lá a luz é melhor. Já que o terrorismo internacional é difícil de combater, vamos ao alvo mais fácil.


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