São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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ARTIGO

Telespectador americano

DAN GEORGAKAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A forma como a mídia e o público vêm reagindo à turbulência recente na Índia revela muito sobre como o terrorismo é reportado e apreendido nos EUA. A grande imprensa vem cobriu os fatos em Mumbai, mas não de modo extensivo ou em profundidade. A violência foi retratada como o tipo de coisa que acontece "lá", em lugares distantes como a Ásia.
O tom da cobertura ficou evidente no jornal do horário nobre na TV pública. Dois professores universitários respeitados explicaram os acontecimentos num contexto quase inteiramente da Índia e do Paquistão. Atenção considerável foi dada às tensões entre muçulmanos e hindus e aos problemas crônicos na Caxemira.
O fato de americanos, britânicos e judeus terem sido alvejados especificamente não foi enfatizado. Mais importante foi a discussão de uma possível vinculação com as forças da Al Qaeda que têm seu quartel-general no norte do Paquistão.
Essa abordagem parece ser parte do que Noam Chomsky chamou de o processo de "manufatura do consentimento".
Há apenas um ano, o Paquistão era retratado como aliado leal dos EUA, mas que estaria passando por problemas. Agora, o país é cada vez mais retratado como Estado falido. O Paquistão, em suma, está tomando o lugar do Irã como o Estado com o qual talvez seja necessário lidar militarmente. As consequências dos bombardeios americanos no Paquistão ganham cobertura mínima na mídia de massas, e todos os indicativos apontam para mais ações militares, em lugar de menos. O presidente eleito Barack Obama já declarou que não hesitará em lançar bombas no Paquistão, com ou sem o consentimento de Islamabad.
Num nível mais profundo, a cobertura feita pela mídia dos acontecimentos na Índia reflete uma indiferença geral da maioria dos americanos em relação ao que acontece em outros países. Essa indiferença é incentivada por programas noticiosos que mal tocam em questões exteriores, a não ser que crises estejam prestes a estourar. Os americanos geralmente são informados que esses acontecimentos foram totalmente inesperados. Na realidade, eles geralmente foram previstos por especialistas como sendo inevitáveis.
Os aspectos violentos do terrorismo na Índia não foram retratados com a urgência dada a ações semelhantes nos EUA.
Tiros disparados numa faculdade local ganham mais cobertura do que os acontecimentos em Mumbai, sobretudo na mídia local. O eurocentrismo não é necessariamente um fator importante. O assassinato de Theo Van Gogh na Holanda e os atentados na Espanha também receberam cobertura mínima. Tudo o que parece ter importância para a mídia são vidas americanas ceifadas nos EUA ou no campo de batalha.
Outro grande tema da cobertura é a demonização dos terroristas. Eles quase sempre são retratados como indivíduos desencaminhados, até mesmo idealistas, manipulados por líderes malévolos protegidos em esconderijos seguros. Gravemente mal-informado e com frequência ignorando por completo o que acontece em outros países, o público americano continua mal-informado sobre as realidades sociais e econômicas que geram atos terroristas. Não há repressão da informação. Há abundância de blogs e periódicos que falam sobre os assuntos mundiais com franqueza. Mas a grande imprensa reflete principalmente as posições do governo e se mantém em grande medida silenciosa em relação a outros pontos de vista. Foi esse o padrão que precedeu a invasão do Iraque.


DAN GEORGAKAS lecionou mídia e política global na Universidade de Nova York, no Queens College e na Universidade de Massachusetts e escreve extensamente sobre o tema

Tradução de CLARA ALLAIN


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