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Israelense briga com amigo turco em Davos
Premiê da Turquia, que medeia negociação entre Israel e Síria, se retira de debate após Shimon Peres defender ação em Gaza
Discussão vira comício em que presidente de Israel é acusado de levar palestinos à fome e responde culpando Hamas e Irã por conflito
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
A guerra em Gaza chegou ontem aos usualmente mansos
salões de Davos, na forma de
um agitado bate-boca entre o
presidente de Israel, Shimon
Peres, e o primeiro-ministro da
Turquia, Recep Tayyp Erdogan, que abandonou o plenário
pisando duro e anunciando que
nunca mais voltaria a Davos, a
cidadezinha suíça que é o palco,
todo janeiro, dos encontros do
Fórum Econômico Mundial.
"Justamente o melhor amigo
de Israel entre os países muçulmanos", balançava a cabeça Gareth Evans, presidente do Internacional Crisis Group, para
assinalar uma possível consequência política do entrevero.
De fato, quatro dias antes dos
primeiros bombardeios a Gaza,
o premiê israelense Ehud Olmert estava na Turquia, em negociações indiretas com a Síria.
O debate sobre Gaza acabou
se transformando em um comício em que Peres ficou em nítida desvantagem, já que a ação
de Israel na faixa litorânea governada pelo Hamas foi duramente atacada não só por Erdogan mas também por Amr
Mussa, o secretário-geral da Liga Árabe, e até pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Ban criticou acima de tudo o
ataque às instalações da ONU
em Gaza, por ele qualificado de
"chocante, alarmante e inaceitável". A crítica já havia sido feita antes, assim como as que
Mussa e Erdogan fizeram, mas
o problema é que, desta vez, estava presente uma alta autoridade israelense.
"Prisão a céu aberto"
O premiê turco, falando alto
e em turco, criticou o embargo
israelense a Gaza. "Nem uma
caixa de tomate pode entrar
sem autorização de Israel",
afirmou, para emendar afirmando que o território era
"uma prisão a céu aberto".
Atacou também a destruição
provocada por Israel, ao afirmar que "nem US 1 bilhão ou
US$ 2 bilhões bastarão para a
reconstrução", em alusão aos
US$ 613 milhões que Ban Ki-moon mencionara como primeira quantia a ser levantada
para o território palestino.
Erdogan fez questão de defender um tema caro aos judeus, ao afirmar que sempre
dissera que "o antissemitismo é
um crime contra a humanidade". Mas engatou: "A islamofobia também é um crime contra
a humanidade".
Mussa, por sua vez, negou
que o ataque israelense tivesse
sido uma reação ao contínuo
disparo de foguetes pelo grupo
fundamentalista Hamas. Disse
que o problema de fundo é "a
ocupação militar estrangeira"
(israelense, no caso). E, também, a fome a que os habitantes
são levados pelo bloqueio.
Peres foi o último a falar e
usou tom de voz idêntico ao de
Erdogan, como se ambos estivessem em um comício. Rebateu as acusações, leu trechos da
carta de constituição do Hamas, que pede a morte de todos
os judeus, e gritou: "A tragédia
de Gaza não é Israel, é o Hamas,
uma ditadura feia, muito feia".
Erdogan pediu direito de resposta, ganhou um minuto do
mediador David Ignatius, editor-associado do "Washington
Post", mas foi além, sempre em
turco, que a intérprete não tinha condições de verter para o
inglês, pela rapidez com que o
premiê falava e pelas intervenções contínuas de Ignatius.
O premiê acabou levantando-se e saindo, sem cumprimentar Peres ou Ban. Só parou
para receber caloroso aperto de
mãos de Amr Mussa.
Depois, em rápida entrevista
coletiva, Erdogan disse que Peres mentira sobre a guerra, mas
deixou claro que sua irritação
maior era com o mediador que
lhe dera metade do tempo destinado ao israelense. "Assim
não dá para ter uma discussão
séria", afirmou.
Antes do incidente, Peres havia tocado incidentalmente em
um aspecto que é chave para a
crônica crise na região, ao dizer
que ela se deve "à ambição do
Irã de controlá-la". Um andar
acima do debate sobre Gaza e
meia hora antes, o chanceler
iraniano, Manouchehr Mottaki, negava-se por duas vezes a
dizer que seu país aceita a solução de dois Estados, o palestino
e o israelense.
Em vez de responder, Mottaki sugeriu um plebiscito entre
os palestinos para que decidam
o que querem. "Não temos o direito de tomar decisões em nome do povo palestino", afirmou, no que parece um belo
exercício democrático, mas
tem o grave inconveniente de
que, se a proposta fosse levada
adiante, os palestinos é que
acabariam tomando a decisão a
respeito de Israel.
Somados os dois debates, Peres ficou isolado também no
quesito Hamas: Mottaki, o
chanceler iraquiano Hoshyar
Zebari, Mussa e Erdogan defenderam a participação dos
fundamentalistas nas negociações de paz.
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