São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2011

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Rebeliões evidenciam paradoxo árabe

Jovem, com maior expectativa de vida e maior acesso à educação, população esbarra em regimes oligárquicos

Política e economia são controladas por líderes escolhidos a dedo pelos colonizadores; a região não abriga democracias

Yannis Behrakis/Reuters
Egípcios sobre um tanque após protesto no Cairo

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

A rebelião que varre os países árabes começou em 17 de dezembro, quando Mohamed Bouazizi, de 26 anos, embebeu o corpo em solvente de tinta e se imolou em frente ao palácio do governo em Sidi Bouzid, capital provincial no centro da Tunísia.
Ambulante, sua banca de frutas havia sido confiscada. Ao protestar, foi espancado por dois guardas, segundo reconstituição feita na cidade pelo "New York Times".
O protesto que se seguiu provocou uma onda que levou milhares de pessoas às ruas de todo o país. O ditador Zine el Abidine Ben Ali caiu 27 dias depois.
Bouazizi personifica uma espécie de paradoxo árabe, evidenciado nos relatórios do Pnud (Programa da ONU para o Desenvolvimento) sobre os 22 países do grupo.
O paradoxo vem do fato de que a geração dele tem maior expectativa de vida e maior acesso à educação e à saúde do que as de seus pais e avós, mas as suas expectativas esbarram na falta de oportunidades provocada pelo controle oligárquico da política e da economia.
O grupo árabe, claro, não é homogêneo. No ranking do IDH (índice de desenvolvimento humano), que inclui indicadores de renda, educação e saúde, os Emirados Árabes Unidos, mais bem colocados, estão 104 posições à frente da Mauritânia.
Mas na média, aponta o Pnud, os países árabes tiveram um dos maiores avanços relativos no IDH entre 1970 e 2010, com cinco países, incluindo Tunísia e Argélia, entre os dez que mais evoluíram em todo o mundo.

AVANÇOS
A expectativa de vida no grupo subiu de 51 para 70 anos, a mortalidade infantil diminuiu de 98 para 38 mortes por mil nascimentos, e a proporção da população nesses países em idade escolar matriculada passou de 34% para 64%.
No Egito, por exemplo, a taxa de analfabetismo total é estimada em quase 40%, mas na faixa de 15 a 24 anos ela cai para 10% entre os homens e 18% entre as mulheres. Na Tunísia, a taxa nessa faixa é de menos de 6%, para os dois sexos.
A isso somam-se mais dois dados, visíveis nas imagens dos protestos: a população urbana dos países árabes foi de 38% para 60% de um total de 320 milhões de pessoas, e 60% delas têm menos de 25 anos. A média de idade é de 22 anos, contra a média global de 28.
Enquanto essas mudanças ocorriam, movimentos que no século passado conquistaram a independência ou lideraram revoluções nacionalistas se fossilizaram, assim como as dinastias monárquicas eleitas a dedo pelos antigos colonizadores.
O Egito vive há praticamente 30 anos sob lei de emergência que suspende direitos civis. Há países com mais ou menos liberdade, mas nenhuma democracia.

LIBERALIZAÇÃO
A liberalização econômica dos anos 1980 e 1990 reduziu os empregos no setor público e na indústria, que é hoje menor do que em 1970, de acordo com o Pnud.
A dependência de petróleo, gás e turismo aumentou. A compra de excedentes europeus baratos reduziu a agricultura local.
Com exceção das monarquias do golfo Pérsico, a taxa de desemprego entre os jovens é o dobro da média mundial, de 14%. No Egito, ao menos 35% estão abaixo da linha nacional de pobreza; no Iêmen, são 59%.
Os protestos vieram de uma síntese de todos esses problemas.
"Antes, reivindicações políticas e econômicas estavam separadas. Agora, temas cotidianos alimentaram os chamados à reforma democrática", escreveu Amr Hamzawy, do Centro Carnegie para o Oriente Médio.


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