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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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Iraque se beneficiará com a queda de Saddam, diz Doran

RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

"A ação militar no Iraque é justificada, pois Saddam Hussein representa uma ameaça direta que precisa ser detida de modo firme e efetivo. Porém, o maior objetivo dos EUA é assegurar a sua posição estratégica no golfo Pérsico", diz Michael Doran, professor de estudos sobre o Oriente Médio na Universidade Princeton (EUA).
Essa posição, mesclando os argumentos que defendem a ação como um imperativo de segurança e os argumentos geoestratégicos mais frios, tem levado Doran a ser atacado pelos pacifistas e cortejado pelos falcões nos EUA.
O professor defende, em entrevista à Folha por telefone, que o Iraque acabará se beneficiando com a queda do ditador e se tornará um aliado americano. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - Os EUA estão caminhando bem para alcançar os seus objetivos no Iraque? E que objetivos são esses?
Michael Doran -
Acho que os EUA vão vencer a guerra e vão colocar no Iraque um governo que pode ser democrático ou não, mas que certamente estará mais preocupado com o bem-estar do povo iraquiano do que o atual. Quanto ao objetivo, creio que o do governo Bush, além de derrubar um inimigo político, é mudar a balança de poder entre os EUA e os seus inimigos na região.

Folha - Quais inimigos?
Doran -
Além do Iraque, a Síria e o Irã, o Hizbollah e a Al Qaeda. O objetivo é ainda mudar as relações com a Arábia Saudita. Não digo que haverá um divórcio em relação aos sauditas, mas Washington deve ganhar uma certa distância em relação a eles, para poder pressioná-los depois.
O que o governo Bush pretende, acima disso tudo, é dar uma chacoalhada na ordem internacional. A grande questão será, depois disso, como os EUA conduzirão essa nova ordem mundial. A posição americana no golfo estava extremamente minada por causa da tentativa de conter o Irã e o Iraque simultaneamente.

Folha - Washington tenta moldar que tipo de ordem mundial?
Doran -
Acho que esse governo não tem uma visão clara de como essa nova ordem será formatada, mas tem uma clara insatisfação quanto a como ela se apresenta. E trabalha para melhorar a sua posição estratégica.

Folha - Por outro lado, os EUA não estariam criando uma onda tão grande de antiamericanismo que acabaria por comprometer a sua posição?
Doran -
Não há dúvidas de que ocorre uma onda assim pelo mundo. A questão a definir será o quanto esse antiamericanismo impediria o governo Bush de fazer o que pretende.

Folha - Como o sr. explica essa erupção de antiamericanismo?
Doran -
Há duas escolas de pensamento hoje predominantes. Uma diz que o antiamericanismo é resultado das políticas de Washington na região. Destacam-se aí o apoio a Israel e o suporte dado a alguns regimes corruptos.
Mesmo reconhecendo que há um pouco de verdade nisso, eu me coloco num segundo grupo: o que vê o antiamericanismo apenas como o reflexo de um sentimento hostil em relação ao status quo, aos regimes vigentes.
O caso da Arábia Saudita é característico desse fenômeno. Como os EUA são vistos como garantidores do regime, todos os que são contra a manutenção do status quo se apresentam também como antiamericanos.
Isso repete o que aconteceu no Irã há mais de 20 anos, quando uma revolução derrubou o regime do xá.

Folha - Não é exatamente isso que impediria a ação diplomática americana no Iraque num cenário pós-guerra?
Doran -
No mundo árabe, acho que o caso é mais complexo. O povo do Iraque, creio, está, em sua maioria, a favor de derrubar Saddam. Isso não significa que os iraquianos se tornarão pró-EUA no longo prazo, mas creio que haverá significativos elementos na população iraquiana apoiando a política americana.
Mesmo no Irã também há um significativo sentimento de que a queda de Saddam seria positiva. Os Estados da região, na verdade, gostariam que Saddam evaporasse. Prefeririam, claro, que isso acontecesse sem o uso militar americano.
Entretanto esses Estados reconhecem que, se os EUA se retirassem agora, sem derrubar Saddam, o Iraque se tornaria muito mais perigoso.

Folha - O que o sr. diz das críticas de que o governo dos EUA só estaria atacando o Iraque para dominar o petróleo do golfo Pérsico?
Doran -
Creio que a campanha militar atual é mais uma consequência da necessidade de manter o predomínio nas relações geopolíticas. Ou seja, Washington não pode permitir que nenhuma das potências regionais tentem, por conta própria, reorganizar a área, como o Iraque tentou fazer ao invadir o Kuait, há cerca de 12 anos. Creio que essa é uma política prudente da administração republicana.
É importante lembrar, porém, que nada disso adiantará se não forem apresentados um plano de paz e um plano de desenvolvimento para a região, incluindo também a questão palestina.

Folha - Por que a Palestina é tão fundamental nessa reordenação da região?
Doran -
Porque os palestinos se tornaram um símbolo, indo para além da Palestina em si. Podemos ver isso nas mais diversas manifestações em volta do mundo. Não importa se organizada pelo movimento contra a globalização ou se pelos defensores dos direitos humanos: a bandeira palestina está sempre presente. É um fenômeno simbólico.

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