São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entidade vive momento crítico, diz especialista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A ONU atravessa um momento crítico, e é imprescindível investigar de modo transparente o escândalo atual e punir os responsáveis para que os danos à sua credibilidade não afetem o trabalho de suas agências nem sua capacidade de agir em situações de crise.
A análise é de Ole Holsti, professor da Universidade Duke (EUA) e autor de, entre outros, "Unity and Disintegration in International Alliances" (unidade e desintegração em alianças internacionais). Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.

 

Folha - O escândalo mina realmente a credibilidade da ONU?
Ole Holsti -
O relatório sobre o Programa Petróleo por Comida e o texto sobre abusos sexuais cometidos por capacetes azuis na República Democrática do Congo [ex-Zaire] afetam bastante a credibilidade da entidade e exigem uma investigação transparente e a punição dos responsáveis.
Nos EUA, há muita gente contrária à ONU, e os escândalos alimentam as críticas que pesam sobre ela. É justo dizer que a organização enfrenta uma crise séria e vive um dos momentos mais difíceis de sua história. Para os críticos da ONU, como os neoconservadores do governo dos EUA, essa situação é motivo de satisfação.
As acusações que pesam sobre a ONU são realmente sérias e devem servir para que ela passe por um amplo processo de reformas, visando impedir que tais abusos voltem a ocorrer. Só espero que as críticas não atinjam agências cujo trabalho é muito positivo, como a Organização Mundial da Saúde.
Ademais, um escândalo financeiro também atinge a credibilidade da ONU no que tange a administrar fundos em outras situações de crise, como na região atingida pelo tsunami no fim de 2004. Isso é grave porque, se ela não desempenhar esse papel, quem terá credibilidade global para fazê-lo?

Folha - Como isso afeta as reformas propostas pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan?
Holsti -
Isso poderá minar as reformas, porém não tanto quanto a indicação de John Bolton para o posto de embaixador dos EUA na ONU. Afinal, trata-se de uma mensagem do governo americano à entidade. Para Bolton, se não for controlada pelos EUA, a organização deverá ser contornada.
Como os americanos desempenham um papel vital no financiamento e nos mecanismos de tomada de decisão da ONU, escândalos como esse servem para dar munição à ala do governo americano que a vê como um obstáculo para a política externa dos EUA.
Em relação às reformas, na verdade, tudo depende de quem faz a análise da situação. Para os defensores da existência da ONU, o escândalo significa que as reformas devem ser introduzidas, pois dizem respeito a temas cruciais para o multilateralismo, como a expansão do Conselho de Segurança e a criação de um novo órgão de defesa dos direitos humanos.
Por outro lado, de acordo com os detratores da ação da organização, o projeto de reformas proposto por Annan visa desviar a atenção mundial da crise atual. Prefiro dar o benefício da dúvida a Annan, porém defendo a introdução de reformas sérias para impedir que novos casos do gênero venham a prejudicar ainda mais a imagem internacional da ONU.
Não podemos imaginar que não se trate de um problema sério, pois a existência da organização é essencial para a manutenção de um mínimo de multilateralismo na cena política internacional.


Texto Anterior: Relatório isenta Annan de corrupção
Próximo Texto: Ex-diplomatas dos EUA criticam Bolton
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.