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Transatlântico com 82 bolivianos sem visto é barrado na Espanha
Navio partiu de Fortaleza e era a última opção dos que queriam morar no país europeu e pretendiam chegar antes de vigorar a nova regra para a entrada
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O que deveria ser uma espécie de "cruzeiro da esperança",
com direito a navio de luxo, está se transformando em demonstração prática da "africanização" de países latino-americanos, cuja população emigra,
em números crescentes, em
busca do Eldorado, mais suposto que real, dos países ricos.
Oitenta e dois bolivianos pagaram cada um o equivalente a
2.000 (R$ 5.600) para embarcar de Fortaleza, no Brasil, para
a Espanha, no navio de cruzeiro
Sinfonia, relata o jornal espanhol "El País". Não, não é uma
viagem de lazer. É a solução encontrada para tentar atingir o
paraíso antes que começasse a
vigorar a nova regra que exige o
visto de entrada para cidadãos
bolivianos (e de outros países
latino-americanos).
A exigência fez lotar nas últimas semanas todos os vôos diretos entre La Paz e Madri, o
que levou até a Força Aérea boliviana a colocar um avião à disposição dos que querem fugir
de um dos países mais pobres
das Américas.
Mas o problema não se resolveu. Centenas de passageiros
que se vêem impossibilitados
de viajar à Europa, já com seus
bilhetes na mão, protestaram
ontem nos aeroportos de Viru
Viru, em Santa Cruz de La Sierra, e Jorge Wilstermann, em
Cochabamba. A maioria deles
iria para a Espanha e agora exige o dinheiro de volta.
Segundo autoridades bolivianas, cerca de 1.500 pessoas
compraram passagens que agora não valem nada.
A alternativa foi o Sinfonia, a
um preço que "ultimamente é o
mesmo do avião", segundo depoimento a "El País" de Freddy
Morales, que esperava um amigo no porto de Valência. Espera
inútil: os 82 não puderam desembarcar, porque ao chegarem o visto já era exigido. Foram recusados também nos
portos de Santa Cruz de Tenerife e Cádiz. Agora, o navio está a
caminho de Gênova (Itália).
Trata-se de uma cena que se
tornou comum nas costas da
Espanha -ou da Itália. Mudam
apenas o barco e a nacionalidade: em geral, são africanos que
tentam desembarcar de "pateras", pouco mais que canoas,
em que fazem longas travessias,
muitas vezes apenas para serem mandados de volta. Ou
morrerem na tentativa.
Agora, são sul-americanos e
um sólido navio de cruzeiro.
Mas o drama é o mesmo: o êxodo maciço rumo aos países ricos. Já são, no mundo todo, 191
milhões de migrantes.
No caso específico da América Latina, já são 13% de sua população que moram em países
diferentes do que nasceram. O
grave é que o subcontinente viveu situação inversa até meados do século passado: era o Eldorado até para europeus em
busca da esperança.
Agora, o sentido da migração
inverteu-se, mesmo em países
como Brasil, Bolívia e Venezuela, governados por presidentes
que atacam o modelo anterior,
tido por neoliberal (durante o
qual se acentuou a migração em
massa), mas foram incapazes
de repor a esperança no horizonte dos seus cidadãos.
O que estimula o fluxo migratório é o fato de que os estabelecidos no mundo rico enviam
fortunas para casa. Em 2005, as
remessas dessa massa de deslocados para os países de origem
excederam US$ 233 bilhões,
dos quais US$ 167 bilhões enviados para os países em desenvolvimento.
O volume que o Brasil recebe
de seus migrantes não é banal:
em 2006, calcula-se que bateu
em algo em torno de US$ 10,5
bilhões.
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