São Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2007

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Transatlântico com 82 bolivianos sem visto é barrado na Espanha

Navio partiu de Fortaleza e era a última opção dos que queriam morar no país europeu e pretendiam chegar antes de vigorar a nova regra para a entrada

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O que deveria ser uma espécie de "cruzeiro da esperança", com direito a navio de luxo, está se transformando em demonstração prática da "africanização" de países latino-americanos, cuja população emigra, em números crescentes, em busca do Eldorado, mais suposto que real, dos países ricos.
Oitenta e dois bolivianos pagaram cada um o equivalente a 2.000 (R$ 5.600) para embarcar de Fortaleza, no Brasil, para a Espanha, no navio de cruzeiro Sinfonia, relata o jornal espanhol "El País". Não, não é uma viagem de lazer. É a solução encontrada para tentar atingir o paraíso antes que começasse a vigorar a nova regra que exige o visto de entrada para cidadãos bolivianos (e de outros países latino-americanos).
A exigência fez lotar nas últimas semanas todos os vôos diretos entre La Paz e Madri, o que levou até a Força Aérea boliviana a colocar um avião à disposição dos que querem fugir de um dos países mais pobres das Américas.
Mas o problema não se resolveu. Centenas de passageiros que se vêem impossibilitados de viajar à Europa, já com seus bilhetes na mão, protestaram ontem nos aeroportos de Viru Viru, em Santa Cruz de La Sierra, e Jorge Wilstermann, em Cochabamba. A maioria deles iria para a Espanha e agora exige o dinheiro de volta.
Segundo autoridades bolivianas, cerca de 1.500 pessoas compraram passagens que agora não valem nada.
A alternativa foi o Sinfonia, a um preço que "ultimamente é o mesmo do avião", segundo depoimento a "El País" de Freddy Morales, que esperava um amigo no porto de Valência. Espera inútil: os 82 não puderam desembarcar, porque ao chegarem o visto já era exigido. Foram recusados também nos portos de Santa Cruz de Tenerife e Cádiz. Agora, o navio está a caminho de Gênova (Itália).
Trata-se de uma cena que se tornou comum nas costas da Espanha -ou da Itália. Mudam apenas o barco e a nacionalidade: em geral, são africanos que tentam desembarcar de "pateras", pouco mais que canoas, em que fazem longas travessias, muitas vezes apenas para serem mandados de volta. Ou morrerem na tentativa.
Agora, são sul-americanos e um sólido navio de cruzeiro. Mas o drama é o mesmo: o êxodo maciço rumo aos países ricos. Já são, no mundo todo, 191 milhões de migrantes.
No caso específico da América Latina, já são 13% de sua população que moram em países diferentes do que nasceram. O grave é que o subcontinente viveu situação inversa até meados do século passado: era o Eldorado até para europeus em busca da esperança.
Agora, o sentido da migração inverteu-se, mesmo em países como Brasil, Bolívia e Venezuela, governados por presidentes que atacam o modelo anterior, tido por neoliberal (durante o qual se acentuou a migração em massa), mas foram incapazes de repor a esperança no horizonte dos seus cidadãos.
O que estimula o fluxo migratório é o fato de que os estabelecidos no mundo rico enviam fortunas para casa. Em 2005, as remessas dessa massa de deslocados para os países de origem excederam US$ 233 bilhões, dos quais US$ 167 bilhões enviados para os países em desenvolvimento.
O volume que o Brasil recebe de seus migrantes não é banal: em 2006, calcula-se que bateu em algo em torno de US$ 10,5 bilhões.


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