São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª

VICTOR YUAN
pesquisador de opinião

Chinês não quer ser visto de cima

Para diretor do principal instituto de opinião da China, elites rechaçam "sermões" de fora, e massas desdenham posição do país no mundo

EM MENOS de 15 dias, a China impediu a venda de sua maior fabricante de sucos à Coca-Cola, sugeriu a troca do dólar como moeda internacional e ainda cobrou dos EUA que "honrem seus compromissos".
Essa nova confiança de superpotência continuará a crescer, mesmo em tempos de crise doméstica, segundo o sociólogo chinês Victor Yuan, diretor-presidente do mais conhecido instituto de pesquisas do país, o Horizon.


RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

"Os chineses querem deixar de ser olhados de cima e ouvir sermões do Ocidente sobre democracia e direitos humanos", diz Victor Yuan. "Apesar de conscientes da seriedade da crise, a maioria acha que ela é de curto prazo, e eles têm enorme confiança no governo." Com mestrado em Harvard, ele afirma que sentiu discriminação nos EUA.
"Os professores vivem criticando o governo chinês, que não somos uma democracia, que nosso desenvolvimento é injusto", recorda. "Mas para um chinês, criticar o governo é criticar o país. Não gostamos de interferência." Seu instituto de pesquisas foi criado há 17 anos e estuda desde comportamentos familiares e de consumo a opiniões políticas. Yuan recebeu a Folha em seu escritório em Pequim. Os principais trechos da conversa:

 

FOLHA - Um best-seller instantâneo, "China Infeliz", alega que, apesar do crescimento econômico, os chineses estão descontentes com a globalização e a maneira que o Ocidente vê o país. Há orgulho ferido?
VICTOR YUAN
- Discordo que a China seja infeliz, pois 70% dos chineses entrevistados por nosso instituto se demonstram favoráveis à abertura econômica ou pedem até mais abertura, e só 15% acham que a China se abriu demais. O que há é um sentimento comum, de que a China ainda é discriminada politicamente e não está à altura de seu poderio econômico, olhada de cima por americanos e franceses. Tratam-nos como a um animal econômico, ouvimos sermões de que não temos direitos humanos nem democracia. Agora que não passamos fome, queremos respeito.

FOLHA - O sr. estudou em Harvard e em Yale. Sentiu discriminação?
YUAN
- Claro. Os professores falavam de liberdade, que a China não poderia se desenvolver sem eleições. Não temos eleições como no Ocidente, verdade, mas há progresso. E há mais liberdade. Quando eu tinha 10 anos, não se podia criticar Mao nem outro dirigente do Partido Comunista, dava cadeia. Hoje eu posso criticar políticas do presidente Hu Jintao.

FOLHA - Não na imprensa estatal...
YUAN
- Essas críticas não chegam à grande mídia, mas as pessoas as escrevem em seus blogs. Podemos sentar com os estrangeiros, trocar ideias. Mas os chineses não gostam de sentir que estão levando bronca.

FOLHA - O governo chinês impediu a venda da maior fabricante de sucos do país, a Huiyuan, à Coca-Cola, que oferecia US$ 2,3 bilhões. Muitos alegam que a opinião pública era contra. Os sucos são mercado estratégico ou o problema é a Coca-Cola?
YUAN
- Nas enquetes na internet, a maioria foi contra. Há esse sentimento de que as grandes marcas chinesas devem seguir em mãos chinesas. Os mais velhos sentem nostalgia das grandes marcas que já não existem. Mas acho que a decisão se deve à nossa burocracia e a seu julgamento equivocado.

FOLHA - O senhor era favorável?
YUAN
- Talvez eu seja o único que achasse ótimo vender a Huiyuan à Coca-Cola. A oferta da Coca foi feita antes da quebra do [banco americano] Lehman Brothers [que prenunciou a crise], em setembro. Agora, nunca mais alguém vai pagar isso pela Huiyuan. A Coca vai poder comprar outras por menos ou até criar uma marca e enfrentar a Huiyuan. Todos perderam. Foi um recado negativo ao mundo. Outros governos agora podem fazer o mesmo e barrar investimentos chineses.

FOLHA - Se os chineses se tornarem consumidores nacionalistas, não complicará o investimento externo?
YUAN
- Acho que o nacionalismo faz mais barulho na internet que na vida real. Os chineses tomam Coca-Cola o dia inteiro. O consumidor chinês não é tão nacionalista como dizem. Veja o Carrefour. Apesar dos problemas com a França, das campanhas de boicote, está cheio. As pessoas agem com o bolso. Os chineses não gostam do Japão, nem dos japoneses, mas isso não impede que chineses estudem lá nem que compremos produtos japoneses.

FOLHA - Na capa da "Economist", sob a manchete "Como a China vê o mundo", EUA e Japão aparecem grandes, e o resto do mundo, mínimo. Como o chinês vê o Brasil?
YUAN
- Na última Feira de Guangzhou, a delegação brasileira estava entre as cinco maiores e foi a que mais comprou per capita, pela primeira vez. Isso chamou a atenção. Mas comparado a outros países, o Brasil se vende pouco e se comunica menos ainda com a China. Já fui várias vezes à Rússia e à Índia, e a Austrália e a Nova Zelândia vivem convidando líderes chineses para ir lá. Suas embaixadas fazem promoções. A única vez que estive no Brasil não foi a trabalho. Tirando a Amazônia e o futebol, pouco se sabe do Brasil aqui.

FOLHA - Com a crise, a China pode se interessar mais pelo Brasil?
YUAN
- Deve. Temos muito interesse em nossas matérias-primas, o petróleo da África, o cobre do Chile... e os BRICs [Brasil, Rússia, Índia e China] fazem sucesso aqui, como marca. Do pouco que se sabe sobre América Latina, fala-se de uma região onde a esquerda tem crescido, o que é simpático à China. Governos esquerdistas nos criticam menos.

FOLHA - A crise econômica já deixou 20 milhões de desempregados entre os migrantes rurais chineses e deve complicar a entrada dos formandos no mercado de trabalho. Isso não abala o otimismo chinês?
YUAN
- As pessoas estão preocupadas. 72% dos chineses são otimistas, dez pontos a menos que em 2008. Mas, comparando a outros países, ainda é extraordinário. A confiança do consumidor é a menor desde 2000. A preocupação é com o curto prazo, a longo prazo os chineses estão confiantes.

FOLHA - Qual é o maior temor dos chineses hoje?
YUAN
- Emprego. Temos 7 milhões de universitários se formando. Os mais otimistas dizem que apenas 30% deles conseguirão emprego, e os mais pessimistas dizem que só 10%. Eu diria que as empresas que se saírem bem da crise vão manter o status quo, sem contratar. A maioria vai ter que demitir. Mais 7 milhões de migrantes rurais irão para as cidades.

FOLHA - Essa crise não afeta o governo? Os protestos aumentaram.
YUAN
- Ao contrário de outros países, os chineses têm uma enorme confiança no governo. Que tem poder, tem controle, tem meios para fazer as coisas. O governo central tem a aprovação de 90% dos chineses, muito maior que os governos locais, que só atingem 45%. Os bancos aqui não são um problema. Há quatro grandes bancos estatais, que estão fornecendo empréstimos. Os ativos dos chineses não caíram tanto. Mesmo os imóveis, as quedas são muito pequenas. Então a crise não atingiu a vida diária da maioria dos chineses.

FOLHA - Em 30 anos, a China passou de uma sociedade igualitária, onde todos eram miseráveis, a um dos países mais desiguais do mundo, mas próspero. A desigualdade social não pode começar a produzir ressentimento, criminalidade?
YUAN
- A rede de bem-estar social é uma prioridade, junto com os investimentos em infraestrutura e o estímulo ao consumo. Ao contrário da Índia e, ousaria falar, do Brasil, na China quem é pobre é o camponês. Mas ele tem um pedacinho de terra e não passa fome. Vive melhor que antes. O que gera instabilidade social é a perda da terra ou da subsistência por conta de grandes obras do governo ou do mercado imobiliário, com indenizações muito pequenas. Ou quando, por causa da poluição, da água contaminada, eles não podem mais plantar. Há milhares de protestos na China por ano sobretudo por essas duas razões. É o preço do nosso desenvolvimento.

FOLHA - Mas esses protestos demonstram a fragilidade das instituições chinesas, pois raramente as pessoas recorrem à Justiça.
YUAN
- Os protestos acontecem na frente das prefeituras, do governo local. Milhares pedem indenização, e o governo normalmente paga. É a melhor maneira de se obter alguma resposta. Concordo com a ausência da Justiça. No tribunal, o juiz precisa acatar sua petição, você precisa pagar, leva tempo.

FOLHA - Há 20 anos, houve a manifestação pró-democracia que deu no massacre da praça da Paz Celestial. A democracia ainda é um desejo de boa parte dos chineses?
YUAN
- Para as elites, democracia é um dos maiores anseios. Para o público em geral, nunca entra entre as prioridades. Os chineses costumam se comparar à Índia. Lá há desordem, caos, miséria, favelas, mas são a maior democracia do mundo. De que adianta a democracia? Eles veem escândalos de corrupção em Taiwan e dizem "não quero isso para mim".

FOLHA - Os chineses já se veem como a grande potência mundial?
YUAN
- Para a grande maioria, o papel do país no mundo não importa. A maioria quer saber dos filhos, de emprego, de comida, de viver melhor. Para a elite, é mais importante. Principalmente porque agora os chineses podem viajar ao exterior, têm acesso à internet e veem como a China é descrita no Ocidente. Estudantes que moram no exterior reclamam que alunos estrangeiros acham que os chineses ainda vivem na Revolução Cultural, na miséria. Com o poder econômico vem a demanda de mais respeito, mais dignidade. Isso só se torna importante depois que se consegue comer. Nossos jovens são filhos únicos, pequenos imperadores, muito sensíveis.


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