São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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SEXUALIDADE

Americanos fazem sexo cada vez mais jovens, têm maior número de parceiros e aceitam casamento gay

Viagra individualiza sexo, diz sociólogo

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O sexo pode estar se tornando um ato cada vez mais individualizado e isso, em parte, é efeito de drogas como o Viagra, que facilitam a ereção masculina. Essa é a opinião de um dos maiores especialistas em sexo nos Estados Unidos, o sociólogo John Gagnon, 74. Para ele, o efeito desses medicamentos no comportamento humano precisa ser melhor estudado. "Essas drogas podem reforçar uma espécie de privatização do sexo, pois deixam o indivíduo muito mais importante do que a relação social entre duas pessoas", disse Gagnon à Folha.
O sociólogo esteve no Rio de Janeiro para lançar o livro "Uma Interpretação do Desejo", editado pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos e pela editora Garamond . Sua proposição de maior impacto nos estudos da sexualidade foi a teoria dos scripts sexuais, elaborada na década de 70 em parceria com o também sociólogo William Simon, ambos do Instituto Kinsey.
Essa teoria questionava um aspecto dos estudos de Alfred Kinsey, que revolucionou a sexualidade americana com o lançamento dos livros "O Comportamento Sexual do Homem", de 1948, e "O Comportamento Sexual da Mulher", de 1953.
"Kinsey, assim como muita gente de sua geração, pensava o sexo como esse grande poder que está dentro da pessoa prestes a explodir", diz.
"Nós defendemos, no entanto, que para ter uma relação sexual é preciso achar um parceiro, conversar com ele, saber de quem se trata, escolher de que forma você se apresentará, como irá seduzi-lo e onde e como fará sexo. Nada disso é sexual, mas são habilidades que você tem que aprender. O sexo, então, é apenas uma parte disso tudo."
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
 

Folha - No ano passado, no Rio, a assembléia legislativa quase aprovou uma lei que previa financiamento a entidades que ajudassem gays a virar heterossexuais. Um dos argumentos era de que isso não era algo natural. Sua idéia de que a sexualidade faz parte de um aprendizado não pode levar a argumentos desse tipo?
John Gagnon
- Sem dúvida é um perigo, mas eu acho que é uma péssima idéia o Estado interferir na vida sexual das pessoas. Isso só deve ocorrer em situações extremas, como quando há, por exemplo, um vírus que coloca em risco a vida das pessoas. Aí, ele deve atuar para assegurar a saúde.
Quanto à escolha da homossexualidade, eu já ouvi de amigos gays que eles sempre souberam que gostavam de homens. Mas, sinceramente, não acredito que alguém sempre soube o que seria. Essa não é uma pergunta que você faz quando é criança.
Não acho que tentar associar a homossexualidade a um gene -o que não é verdade- vá proteger alguém. Pelo contrário, judeus foram para campos de concentração e morreram milhões porque os nazistas achavam que eles eram biologicamente diferentes. Não é a biologia que vai proteger o direitos dos gays. A única coisa que protege é a política.

Folha - Como novas drogas, como o Viagra, têm impactado o comportamento sexual?
Gagnon
- Não sabemos exatamente aonde isso nos levará. O que me parece claro é que a indústria farmacêutica vai sempre procurar drogas que tenham mercado e, às vezes, até mesmo "fabricar" doenças para justificar a venda de seus remédios. Acontece que já há um movimento para contestá-los. O problema é que ninguém está ainda preparado para financiar um estudo sobre essas drogas e saber como elas afetam o comportamento sexual. Minha intuição é que os homens usam Viagra principalmente para demonstrar que ainda conseguem ter uma ereção. Eles querem, principalmente, ter a certeza de que conseguem isso, mas poucos se perguntam se a parceira também quer. Esquece-se que há uma outra pessoa envolvida nessa relação. Acho que drogas como essas podem reforçar uma espécie de privatização do sexo, já que o indivíduo passa a ser mais importante do que a relação social entre duas pessoas.

Folha - Na semana passada, o Vaticano anunciou que está preparando um documento sobre o uso de preservativo por doentes de Aids. O sr. acha que uma revisão da posição da igreja pode ajudar a combater a epidemia?
Gagnon
- Não acho que a igreja, a não ser para um número muito pequeno de pessoas, tenha algum efeito real em seu comportamento sexual. O uso de preservativos tem muito mais a ver com o esforço das políticas públicas. Se eles estiverem disponíveis e forem baratos, as pessoas usam, independente da religião. A maioria dos católicos americanos usa preservativos da mesma maneira que as pessoas das demais religiões. As igrejas atuam num mercado diferente do da saúde. O mercado delas é o da fé.
Eu conheci uma americana que estudou questões da sexualidade e era muito religiosa. Ela mandou uma carta ao papa mostrando todas as evidências científicas de que a masturbação não fazia mal para a saúde. Eu disse a ela que ela estava equivocada. Mesmo que fosse comprovado que a masturbação deixa as pessoas mais inteligentes, o papa não aceitaria porque, para ele, aquilo simplesmente é errado e ponto. A preocupação é salvar a alma das pessoas para que elas possam ir para o céu. Não tem nada a ver com saúde.

Folha - A onda conservadora que ganhou nova força nos Estados Unidos com a eleição de George W. Bush prejudicou as discussões sobre a sexualidade?
Gagnon
- Se você olhar para todos os estudos sexuais feitos nos últimos anos nos Estados Unidos, perceberá que o país está se tornando cada vez mais liberal. Depois da segunda guerra, talvez somente 10% da população vivia junto antes de casar. Hoje, esse percentual chega a 60%. Um número crescente de pessoas está fazendo sexo cada vez mais jovens e antes do casamento, e tendo mais parceiros ao longo da vida. Os mais jovens já não vêem problema no casamento gay, apesar daqueles que têm mais de 65 anos acharem isso problemático. Esse movimento para posições mais liberais vem acontecendo lentamente, mas é constante.
Na década de 20, a visão conservadora das igrejas sobre sexo era a que preponderava em toda a sociedade. Todo mundo seguia os mesmos valores a respeito da homossexualidade, do sexo antes do casamento ou do adultério. O que acontece agora é que esses conservadores estão reduzidos a apenas um partido. Eles não são mais a posição hegemônica. Representam um movimento social que tenta forçar seu padrão de sexualidade aos demais, mas agora também há nos Estados Unidos vários outros movimentos que se opõe a eles.
Essa posição conservadora a respeito do sexo está perdendo importância. Ela só parece importante porque eles têm a Casa Branca, mas a sociedade hoje já não é mais a mesma e eles vêm perdendo quase todas as batalhas importantes sobre o assunto nos últimos anos.


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