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SEXUALIDADE
Americanos fazem sexo cada vez mais jovens, têm maior número de parceiros e aceitam casamento gay
Viagra individualiza sexo, diz sociólogo
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O sexo pode estar se tornando
um ato cada vez mais individualizado e isso, em parte, é efeito de
drogas como o Viagra, que facilitam a ereção masculina. Essa é a
opinião de um dos maiores especialistas em sexo nos Estados Unidos, o sociólogo John Gagnon, 74.
Para ele, o efeito desses medicamentos no comportamento humano precisa ser melhor estudado. "Essas drogas podem reforçar
uma espécie de privatização do
sexo, pois deixam o indivíduo
muito mais importante do que a
relação social entre duas pessoas",
disse Gagnon à Folha.
O sociólogo esteve no Rio de Janeiro para lançar o livro "Uma Interpretação do Desejo", editado
pelo Centro Latino-Americano
em Sexualidade e Direitos Humanos e pela editora Garamond . Sua
proposição de maior impacto nos
estudos da sexualidade foi a teoria
dos scripts sexuais, elaborada na
década de 70 em parceria com o
também sociólogo William Simon, ambos do Instituto Kinsey.
Essa teoria questionava um aspecto dos estudos de Alfred Kinsey, que revolucionou a sexualidade americana com o lançamento dos livros "O Comportamento
Sexual do Homem", de 1948, e "O
Comportamento Sexual da Mulher", de 1953.
"Kinsey, assim como muita
gente de sua geração, pensava o
sexo como esse grande poder que
está dentro da pessoa prestes a explodir", diz.
"Nós defendemos, no entanto,
que para ter uma relação sexual é
preciso achar um parceiro, conversar com ele, saber de quem se
trata, escolher de que forma você
se apresentará, como irá seduzi-lo
e onde e como fará sexo. Nada
disso é sexual, mas são habilidades que você tem que aprender. O
sexo, então, é apenas uma parte
disso tudo."
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - No ano passado, no Rio, a
assembléia legislativa quase aprovou uma lei que previa financiamento a entidades que ajudassem
gays a virar heterossexuais. Um
dos argumentos era de que isso
não era algo natural. Sua idéia de
que a sexualidade faz parte de um
aprendizado não pode levar a argumentos desse tipo?
John Gagnon - Sem dúvida é um
perigo, mas eu acho que é uma
péssima idéia o Estado interferir
na vida sexual das pessoas. Isso só
deve ocorrer em situações extremas, como quando há, por exemplo, um vírus que coloca em risco
a vida das pessoas. Aí, ele deve
atuar para assegurar a saúde.
Quanto à escolha da homossexualidade, eu já ouvi de amigos
gays que eles sempre souberam
que gostavam de homens. Mas,
sinceramente, não acredito que
alguém sempre soube o que seria.
Essa não é uma pergunta que você
faz quando é criança.
Não acho que tentar associar a
homossexualidade a um gene -o
que não é verdade- vá proteger
alguém. Pelo contrário, judeus foram para campos de concentração e morreram milhões porque
os nazistas achavam que eles
eram biologicamente diferentes.
Não é a biologia que vai proteger
o direitos dos gays. A única coisa
que protege é a política.
Folha - Como novas drogas, como
o Viagra, têm impactado o comportamento sexual?
Gagnon - Não sabemos exatamente aonde isso nos levará. O
que me parece claro é que a indústria farmacêutica vai sempre procurar drogas que tenham mercado e, às vezes, até mesmo "fabricar" doenças para justificar a venda de seus remédios. Acontece
que já há um movimento para
contestá-los. O problema é que
ninguém está ainda preparado
para financiar um estudo sobre
essas drogas e saber como elas
afetam o comportamento sexual.
Minha intuição é que os homens
usam Viagra principalmente para
demonstrar que ainda conseguem ter uma ereção. Eles querem, principalmente, ter a certeza
de que conseguem isso, mas poucos se perguntam se a parceira
também quer. Esquece-se que há
uma outra pessoa envolvida nessa
relação. Acho que drogas como
essas podem reforçar uma espécie
de privatização do sexo, já que o
indivíduo passa a ser mais importante do que a relação social entre
duas pessoas.
Folha - Na semana passada, o Vaticano anunciou que está preparando um documento sobre o uso
de preservativo por doentes de
Aids. O sr. acha que uma revisão da
posição da igreja pode ajudar a
combater a epidemia?
Gagnon - Não acho que a igreja,
a não ser para um número muito
pequeno de pessoas, tenha algum
efeito real em seu comportamento sexual. O uso de preservativos
tem muito mais a ver com o esforço das políticas públicas. Se eles
estiverem disponíveis e forem baratos, as pessoas usam, independente da religião. A maioria dos
católicos americanos usa preservativos da mesma maneira que as
pessoas das demais religiões. As
igrejas atuam num mercado diferente do da saúde. O mercado delas é o da fé.
Eu conheci uma americana que
estudou questões da sexualidade
e era muito religiosa. Ela mandou
uma carta ao papa mostrando todas as evidências científicas de
que a masturbação não fazia mal
para a saúde. Eu disse a ela que ela
estava equivocada. Mesmo que
fosse comprovado que a masturbação deixa as pessoas mais inteligentes, o papa não aceitaria porque, para ele, aquilo simplesmente é errado e ponto. A preocupação é salvar a alma das pessoas para que elas possam ir para o céu.
Não tem nada a ver com saúde.
Folha - A onda conservadora que
ganhou nova força nos Estados
Unidos com a eleição de George W.
Bush prejudicou as discussões sobre a sexualidade?
Gagnon - Se você olhar para todos os estudos sexuais feitos nos
últimos anos nos Estados Unidos,
perceberá que o país está se tornando cada vez mais liberal. Depois da segunda guerra, talvez somente 10% da população vivia
junto antes de casar. Hoje, esse
percentual chega a 60%. Um número crescente de pessoas está fazendo sexo cada vez mais jovens e
antes do casamento, e tendo mais
parceiros ao longo da vida. Os
mais jovens já não vêem problema no casamento gay, apesar daqueles que têm mais de 65 anos
acharem isso problemático. Esse
movimento para posições mais liberais vem acontecendo lentamente, mas é constante.
Na década de 20, a visão conservadora das igrejas sobre sexo era a
que preponderava em toda a sociedade. Todo mundo seguia os
mesmos valores a respeito da homossexualidade, do sexo antes do
casamento ou do adultério. O que
acontece agora é que esses conservadores estão reduzidos a apenas um partido. Eles não são mais
a posição hegemônica. Representam um movimento social que
tenta forçar seu padrão de sexualidade aos demais, mas agora
também há nos Estados Unidos
vários outros movimentos que se
opõe a eles.
Essa posição conservadora a
respeito do sexo está perdendo
importância. Ela só parece importante porque eles têm a Casa
Branca, mas a sociedade hoje já
não é mais a mesma e eles vêm
perdendo quase todas as batalhas
importantes sobre o assunto nos
últimos anos.
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