São Paulo, domingo, 30 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Colômbia urbana vive ebulição cultural

Autora que inspirou série de TV e escritor citam novo momento do país, com menor presença do narcotráfico

Com autoestima em alta, Bogotá é "cidade cosmopolita" e serve de cenário para seriado transmitido no Brasil

DA ENVIADA A BOGOTÁ

Bogotá ganhou na semana passada a quarta de suas megabibliotecas -mais centros culturais integrados do que salas de leitura e arquivos.
Numa área de 23 mil m2, na zona sul da capital colombiana, acomodam-se dois teatros, um pequeno parque e uma ampla sala de leitura e computadores.
O Centro Cultural Biblioteca Pública Julio Mario Santo Domingo -construído em parte com doação da família Santo Domingo, a mais rica do país- fica numa zona nobre da cidade, cercada por bairros periféricos da ainda bastante pobre Bogotá.
"Eu mesmo escolhi o terreno", diz o ex-prefeito da capital Enrique Peñalosa, autor do projeto das megabibliotecas, exportado depois a Medellín e até ao Rio de Janeiro.
Peñalosa integra o trio de ex-prefeitos que apoia e faz campanha junto com o candidato Antanas Mockus (Partido Verde), também ex-mandatário da capital e considerado o iniciador da nova "movida" das urbes colombianas, ainda nos anos 1990.
Com os exercícios pedagógicos e de cultura cidadã de Mockus, o número de mortes no trânsito caiu pela metade em menos de uma década. "Recuperamos nossa autoestima", diz Peñalosa.

CARRIE DE BOGOTÁ
Se o governo Uribe representa especialmente a ofensiva para recuperar territórios rurais das mãos da guerrilha, o quarteto dos verdes é a Colômbia urbana que deixou o veto das agências de turismo e dos comunicados de alerta da Chancelaria dos EUA. A Colômbia que quer se pensar para além do conflito armado ou do passado consagrado pela literatura.
O novo momento de Bogotá, por exemplo, se faz sentir em outras áreas. Com vida noturna agitada, a capital é também polo de compras da região andina. As misses ganhadoras dos concursos mundiais podem ser as da vizinha Venezuela, mas a lingerie e as botas, elas compram na Colômbia.
Guardadas as proporções, Bogotá tem até sua própria Carrie Bradshaw, a heroína de "Sex and the City".
Trata-se de Isabella Santo Domingo -parente distante dos milionários, ela diz-, autora do best-seller local "Los Caballeros las Prefieren Brutas". O livro inspirou a série que passa no canal pago Sony em toda a América Latina, Brasil incluído.
A obra e o programa militam e fazem troça ao mesmo tempo com o que Santo Domingo, 40, chama de "machismo de conveniência", uma espécie de pós-feminismo adaptado para o ainda machista homem latino-americano.
Em resumo: assustados na nova ordem dos relacionamentos, os homens preferem as burras (brutas). Ou as que melhor fingem sê-lo, já que não existe mulher burra para a autora.
À Folha, a também jornalista e atriz diz que fez questão de que a série fosse gravada em Bogotá.
"É um novo momento de Bogotá, e quis mostrar isso na série. Sugeriram gravar no México, na Argentina e em Miami. Eu disse não. Chega de criminalizar o país com essa estética horrorosa só sobre o narcotráfico. Bogotá é uma cidade cosmopolita. Faz anos que passou um pouco o medo dos estrangeiros de vir à Colômbia."

"CHATICE CAI BEM"
O escritor Hector Abad Faciolince também acha que a Colômbia vive um momento de esperança e de ampliação de horizontes.
"Não estamos mais escrevendo só romances sobre pistoleiros", diz ele.
"Estamos contando histórias urbanas. Preferimos ser um país mais normal, mais chato até, do que entreter com histórias terríveis. Um pouco de chatice nos cai bem", continua ele, que neste mês ganhou em Portugal o prêmio Casa de América Latina com o livro "Somos o Esquecimento que Seremos" (sem edição no Brasil).
Mas nem tudo é boa notícia para as capitais colombianas. Após anos de queda no número de homicídios, a violência voltou a crescer, especialmente em Medellín (os crimes violentos de 2009 foram o dobro dos de 2008).
Um dos fatores é a dinâmica de substituição dos grandes grupos paramilitares que comandavam o narcotráfico do começo da década por agrupações menores.
"Temos muitas esperanças, mas com um fundo de ceticismo, como somos no futebol. Como nunca conseguimos ganhar a Copa, como o Brasil, sempre pensamos que pode dar algo errado no final no nosso sonho de ter um país mais moderado, mais tranquilo", compara Abad.
(FLÁVIA MARREIRO)


Texto Anterior: Análise/Eleições na Colômbia: Ventos são favoráveis a candidato de Uribe
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.