|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Colômbia urbana vive ebulição cultural
Autora que inspirou série de TV e escritor citam novo momento do país, com menor presença do narcotráfico
Com autoestima em alta, Bogotá é "cidade cosmopolita" e serve de cenário para seriado transmitido no Brasil
DA ENVIADA A BOGOTÁ
Bogotá ganhou na semana
passada a quarta de suas megabibliotecas -mais centros
culturais integrados do que
salas de leitura e arquivos.
Numa área de 23 mil m2, na
zona sul da capital colombiana, acomodam-se dois teatros, um pequeno parque e
uma ampla sala de leitura e
computadores.
O Centro Cultural Biblioteca Pública Julio Mario Santo
Domingo -construído em
parte com doação da família
Santo Domingo, a mais rica
do país- fica numa zona nobre da cidade, cercada por
bairros periféricos da ainda
bastante pobre Bogotá.
"Eu mesmo escolhi o terreno", diz o ex-prefeito da capital Enrique Peñalosa, autor
do projeto das megabibliotecas, exportado depois a Medellín e até ao Rio de Janeiro.
Peñalosa integra o trio de
ex-prefeitos que apoia e faz
campanha junto com o candidato Antanas Mockus (Partido Verde), também ex-mandatário da capital e considerado o iniciador da nova
"movida" das urbes colombianas, ainda nos anos 1990.
Com os exercícios pedagógicos e de cultura cidadã de
Mockus, o número de mortes
no trânsito caiu pela metade
em menos de uma década.
"Recuperamos nossa autoestima", diz Peñalosa.
CARRIE DE BOGOTÁ
Se o governo Uribe representa especialmente a ofensiva para recuperar territórios rurais das mãos da guerrilha, o quarteto dos verdes é
a Colômbia urbana que deixou o veto das agências de
turismo e dos comunicados
de alerta da Chancelaria dos
EUA. A Colômbia que quer se
pensar para além do conflito
armado ou do passado consagrado pela literatura.
O novo momento de Bogotá, por exemplo, se faz sentir
em outras áreas. Com vida
noturna agitada, a capital é
também polo de compras da
região andina. As misses ganhadoras dos concursos
mundiais podem ser as da vizinha Venezuela, mas a lingerie e as botas, elas compram na Colômbia.
Guardadas as proporções,
Bogotá tem até sua própria
Carrie Bradshaw, a heroína
de "Sex and the City".
Trata-se de Isabella Santo
Domingo -parente distante
dos milionários, ela diz-,
autora do best-seller local
"Los Caballeros las Prefieren
Brutas". O livro inspirou a série que passa no canal pago
Sony em toda a América Latina, Brasil incluído.
A obra e o programa militam e fazem troça ao mesmo
tempo com o que Santo Domingo, 40, chama de "machismo de conveniência",
uma espécie de pós-feminismo adaptado para o ainda
machista homem latino-americano.
Em resumo: assustados na
nova ordem dos relacionamentos, os homens preferem
as burras (brutas). Ou as que
melhor fingem sê-lo, já que
não existe mulher burra para
a autora.
À Folha, a também jornalista e atriz diz que fez questão de que a série fosse gravada em Bogotá.
"É um novo momento de
Bogotá, e quis mostrar isso
na série. Sugeriram gravar no
México, na Argentina e em
Miami. Eu disse não. Chega
de criminalizar o país com essa estética horrorosa só sobre
o narcotráfico. Bogotá é uma
cidade cosmopolita. Faz
anos que passou um pouco o
medo dos estrangeiros de vir
à Colômbia."
"CHATICE CAI BEM"
O escritor Hector Abad Faciolince também acha que a
Colômbia vive um momento
de esperança e de ampliação
de horizontes.
"Não estamos mais escrevendo só romances sobre pistoleiros", diz ele.
"Estamos contando histórias urbanas. Preferimos ser
um país mais normal, mais
chato até, do que entreter
com histórias terríveis. Um
pouco de chatice nos cai
bem", continua ele, que neste mês ganhou em Portugal o
prêmio Casa de América Latina com o livro "Somos o Esquecimento que Seremos"
(sem edição no Brasil).
Mas nem tudo é boa notícia para as capitais colombianas. Após anos de queda
no número de homicídios, a
violência voltou a crescer, especialmente em Medellín (os
crimes violentos de 2009 foram o dobro dos de 2008).
Um dos fatores é a dinâmica de substituição dos grandes grupos paramilitares que
comandavam o narcotráfico
do começo da década por
agrupações menores.
"Temos muitas esperanças, mas com um fundo de
ceticismo, como somos no
futebol. Como nunca conseguimos ganhar a Copa, como
o Brasil, sempre pensamos
que pode dar algo errado no
final no nosso sonho de ter
um país mais moderado,
mais tranquilo", compara
Abad.
(FLÁVIA MARREIRO)
Texto Anterior: Análise/Eleições na Colômbia: Ventos são favoráveis a candidato de Uribe Próximo Texto: Frases Índice
|