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Julgamentos em Guantánamo são ilegais
Em derrota para Bush, Suprema Corte determina que tribunais de exceção abertos para supostos terroristas ferem lei americana
Decisão remonta a recurso aberto por ex-motorista de Bin Laden; prisão seguirá aberta, mas julgamentos em curso estão cancelados
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE NOVA YORK
A Suprema Corte dos EUA
impôs ontem um revés à política antiterrorista de George W.
Bush: o presidente não tem
competência para instituir os
tribunais militares de exceção
criados para julgar presos na
base militar de Guantánamo
(Cuba) por crimes de guerra. A
Justiça vê abuso de autoridade
e declarou ilegalidade, citando
as próprias leis americanas e a
Convenção de Genebra.
Com cinco votos a favor, três
contra e uma abstenção, a decisão força o Departamento da
Defesa a elaborar um novo esquema para os detidos e novas
estratégias em sua guerra contra o terror. Pior: põe em xeque
o alcance dos poderes da Casa
Branca.
Todos os julgamentos agendados naquela instância militar
foram cancelados, e qualquer
medida agora ficará sujeita à
aprovação do Congresso. A
Justiça, no entanto, não determinou o fechamento da prisão.
A decisão foi um golpe inesperado sobre os republicanos,
partido de Bush. Em sua gestão,
o presidente aumentou o peso
conservador na Suprema Corte
com a troca de dois dos nove
juízes, alinhando mais o tribunal com a Casa Branca.
Em ano eleitoral para renovar de parte do Congresso, é
pouco provável, segundo analistas ouvidos pela Folha, que
Bush consiga ver aprovado um
projeto que mantenha o perfil
linha-dura de Guantánamo.
Os tribunais de exceção, criados por decreto de Bush após o
11 de Setembro e que funcionam à margem da Justiça civil
e militar, limitaram de modo
inédito os controles parlamentares e judiciários sobre a Presidência dos EUA.
Recurso
A decisão decorre de um recurso do iemenita Salim Ahmed Hamdan, 36, ex-motorista
e ex-guarda-costas de Osama
bin Laden, líder da Al Qaeda. Os
advogados de Hamdan pediam
à Justiça que se pronunciasse
sobre os limites dos poderes do
presidente americano desde os
ataques terroristas de 2001.
Preso há quatro anos na base, o
guarda-costas foi detido no
Afeganistão em novembro daquele ano.
Bush reagiu à determinação
do Supremo: "O povo americano precisa saber que a decisão,
como eu a entendo, não resultará na liberdade de assassinos.
Na medida das possibilidades
haverá a colaboração com o
Congresso para determinar se
o tribunal é o caminho para levar essa gente a julgamento."
Cerca de 460 detentos, segundo o Pentágono, vivem na
base. Há acusações de abuso e
tortura feitas por ex-presos a
entidades de direitos humanos.
Nos últimos meses muitos prisioneiros de Guantánamo fizeram greve de fome; três deles se
mataram neste mês, usando
lençóis e roupas para se enforcar. A ONU pede o fechamento
da prisão.
No acórdão (decisão conjunta de juízes), a Suprema Corte
diz que "os procedimentos adotados para julgar Hamdan violam a Convenção de Genebra".
"Há grande flexibilidade para
julgar presos capturados em
um conflito armado. As exigências são gerais, concebidas para
se adaptarem a uma grande variedade de sistemas jurídico.
Mas não são menos exigentes.
A comissão [os tribunais de exceção] que o presidente instaurou para julgar Hamdan não satisfaz essas exigências", diz o
texto do relator do processo,
juiz John Paul Stevens.
O argumento do governo
americano é o de que uma resolução do Congresso aprovada
três dias após os atentados e a
própria Constituição concediam poderes a Bush para lutar
contra o terrorismo sem a supervisão do Judiciário ou do
Legislativo.
Reações
A sentença da Suprema Corte foi comemorada por grupos
de defesa de direitos humanos.
Anthony Romero, diretor-executivo da União Americana
pelas Liberdades Civis, um dos
maiores oponentes dos tribunais de exceção, vê na decisão
um "grande golpe para os planos do governo de Bush".
"A Suprema Corte deixou
claro que o Executivo não tem
carta branca na guerra contra o
terror e não pode atropelar o
sistema jurídico. A decisão nos
deixa um passo mais perto de
pôr um fim ao abuso de poder
da Casa Branca", completa.
O advogado de defesa de
Hamdan e professor da Georgetown University, Neal Katyal, afirma que Justiça pôs fim a
uma "atribuição de poderes
sem precedentes".
De Washington, o advogado
David Remes, que representa
17 presos de Guantánamo, disse que a decisão tem implicações mais importantes. "Foi
um caso sobre poderes unilaterais do presidente, um freio na
prerrogativa de agir como juiz e
legislador. Ele [Bush] não é rei.
Esse é o significado da decisão."
Já Anistia Internacional divulgou nota em que chama o
ocorrido de "vitória para os direitos humanos".
Em teleconferência para jornalistas americanos e estrangeiros, o porta-voz do Departamento da Defesa, Brian Roehrkasse, disse em Washington
que a decisão "não interfere em
nada nos poderes da Casa
Branca em tempos de guerra".
"Nada afeta o funcionamento
da base de Guantánamo. A corte não vê nenhum impedimento. Todas as opções estão sobre
a mesa, e vamos trabalhar com
o Congresso. Todas as ferramentas serão usadas", declarou
Roehrkasse.
O porta-voz da Casa Branca,
Tony Snow, afirmou que Bush
mantém a intenção, declarada
anteriormente, de fechar a base
militar, mas que o governo
"ainda não sabe o que fazer com
os prisioneiros".
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