|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EUA precisam de "cara nova", diz Garton Ash
Para historiador britânico, Hillary Clinton não representa "mudança necessária"
Ash diz que ajuda a países pobres é "dramaticamente baixa" e que apoiar semente da democracia é mais eficaz do que invadir ditaduras
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Plantar sementes da democracia nos países muçulmanos
em vez de novas guerras e invasões e investir maciçamente no
combate à pobreza. Esses são
os primeiros passos para Estados Unidos e Europa começarem a corrigir vários erros de
política externa dos últimos
anos, segundo o historiador inglês Timothy Garton Ash.
O professor das universidades de Oxford e Stanford está
no Brasil para participar do
curso "Fronteiras do Pensamento", promovido pelo Copesul Cultural, em Porto Alegre,
na terça-feira. Leia trechos da
entrevista que ele deu à Folha.
FOLHA - Como integrar a comunidade muçulmana na Europa, em
meio ao preconceito crescente e posições radicais islâmicas?
GARTON ASH - Parte do problema é etiquetar as pessoas como
se a religião definisse a mentalidade. Todos têm que saber
que são cidadãos, que têm os
mesmos direitos e deveres. Não
é o que acontece no momento
na Europa. Temos que cumprir
nossa promessa de dar igualdade de oportunidades
FOLHA - A Europa tem dificultado a
entrada de imigrantes dos países
pobres. O futuro é só atrair gente
com diploma?
GARTON ASH - Há muita gente
no mundo que gostaria de se
mudar para os países ricos, mas
eles não têm como absorver
tanta gente. Isso é particularmente verdadeiro na Europa,
onde o Estado fornece assistência médica e educação.
O que acho perigoso é a fuga
de cérebros, tirarmos os melhores médicos e enfermeiros.
O ideal era equilibrar três tipos
de imigrantes. Receber refugiados genuínos, que fogem de
agressores reais, aqueles que
nossa economia necessita e os
que querem vir para cá.
FOLHA - O sr. já criticou os maus
tratos que visitantes recebem na hora de tirar visto nos consulados americanos. Os países ricos continuarão
a se fechar?
GARTON ASH - Como resposta ao
11 de Setembro, o governo Bush
quis garantir liberdade através
de segurança, de forma militar.
Essa escolha fracassou. É melhor ter segurança criando mais
liberdade no mundo.
Além do medo, da atmosfera
da guerra ao terror, o que mais
tem a ver nessa crescente desconfiança com os imigrantes é a
perda de empregos para a China ou para a Índia. Será uma
coisa muito ruim para o mundo
se os EUA se fecharem em uma
fortaleza. A imagem e o poder
de atração dos EUA perderam
muito, dramaticamente, nos
últimos cinco, seis anos. Estão
no caminho errado.
FOLHA - Como o sucessor de Bush
pode começar a corrigir essa política?
GARTON ASH - Os EUA precisam
de uma mudança dramática, alguém que seja capaz de dizer
"nós fizemos errado, dependemos demais da força militar, e
agora estamos procurando
priorizar outras áreas, diplomacia, democracia por meios
pacíficos". Eles precisam de
uma nova cara para os EUA.
FOLHA - Os atuais candidatos à Casa Branca demonstram ter aprendido a lição?
GARTON ASH - Barack Obama
tem potencial, e pode ter um
impacto enorme no mundo. Al
Gore também. Ele personifica
outra maneira de fazer política.
Mas duvido que Hillary Clinton consiga fazer a diferença
que o mundo espera. Ela é identificada demais com o passado.
Com todo meu respeito por Bill
Clinton, há uma sensação no
mundo de que os EUA estão virando uma oligarquia, entre as
famílias Bush e Clinton.
FOLHA - O projeto de fomentar a
democracia no Oriente Médio fracassou. Qual seria a melhor maneira
de promovê-la por lá?
GARTON ASH - Não se deve fazer
isso invadindo países. Acho que
espalhar democracias tem mais
a ver com jardinagem.
Verificar que sementes da
democracia existem em determinado país, pacientemente
regar e fertilizar. Pode ser imprensa independente, organizações de mulheres, partidos
políticos ou advogados. Apoiá-los, em um compromisso de
longo prazo.
FOLHA - O protecionismo está em
alta até entre aqueles que se dizem
a favor do livre mercado. Por que essa causa se tornou tão impopular?
GARTON ASH - Os benefícios do
livre comércio são de longo
prazo, mas seus custos são de
curto prazo. As fábricas se fecham agora, novos empregos
vêm no futuro e os políticos trabalham com o curto prazo.
Outro problema é que a globalização traz com ela crescente desigualdade, seja na Europa, nos EUA, na China ou na Índia. Surge um pequeno grupo
de super-ricos e um enorme
grupo de gente continua pobre.
FOLHA - Os países ricos estão longe
de alcançar a promessa de investir
0,7% do PIB no combate à pobreza
mundial. Mas o aquecimento global
já roubou o destaque dessa causa. A
pobreza ficou em segundo plano?
GARTON ASH - Os mesmos políticos, os mesmos grupos que
defendiam a luta contra a pobreza hoje estão na luta contra
o aquecimento global. A questão é como fazer as duas coisas
simultaneamente.
A ajuda externa dos países ricos é dramaticamente baixa.
Uma das prioridades para o
próximo governo americano é
recuperar sua relação com o
mundo, é investir mais em ajuda. Compare os US$ 600 bilhões do orçamento da Defesa
com o pequeno orçamento para ajuda humanitária, promoção de democracia, entre outros. É uma piada.
FOLHA - Os franceses estão encantados com o novo presidente Nicolas Sarkozy. Os futuros líderes se parecerão cada vez mais com gerentes
hiperdinâmicos?
GARTON ASH - Sarkozy é um fenômeno. Extraordinariamente
dinâmico, notável líder, como o
jovem Blair ou o jovem Clinton.
Vivemos em um mundo onde
não há clara alternativa às versões do capitalismo democrático que temos. A questão hoje
para os eleitores é qual é o melhor time para administrar. E,
em cinco ou dez anos, nós ficamos cansados desse time e vamos para outro, para um novo.
Todos eles falam de mudanças, mas efetivamente não há
grandes diferenças. Nesse
mundo, a política vai naturalmente para o centro.
FOLHA - Depois de fazer tantas
concessões e ficar sem a Constituição, não parece que a UE continuará
sem uma voz única no mundo?
GARTON ASH - Fiquei contente
com a cúpula. Agora a Europa
vai ter uma voz clara no mundo,
com um presidente do Conselho e um alto representante de
Política Externa, representando 27 países, com 500 milhões
de pessoas e uma economia
comparável à dos EUA.
O que os americanos precisam é de um amigo grande o suficiente que faça Washington
escutar. Esse amigo só pode ser
uma Europa forte.
NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista em www.folha.com.br/071801
Texto Anterior: A passeio: Em Hong Kong, Hu Jintao atrai protestos Próximo Texto: Frase Índice
|