São Paulo, sábado, 30 de junho de 2007

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EUA precisam de "cara nova", diz Garton Ash

Para historiador britânico, Hillary Clinton não representa "mudança necessária"

Ash diz que ajuda a países pobres é "dramaticamente baixa" e que apoiar semente da democracia é mais eficaz do que invadir ditaduras

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Plantar sementes da democracia nos países muçulmanos em vez de novas guerras e invasões e investir maciçamente no combate à pobreza. Esses são os primeiros passos para Estados Unidos e Europa começarem a corrigir vários erros de política externa dos últimos anos, segundo o historiador inglês Timothy Garton Ash. O professor das universidades de Oxford e Stanford está no Brasil para participar do curso "Fronteiras do Pensamento", promovido pelo Copesul Cultural, em Porto Alegre, na terça-feira. Leia trechos da entrevista que ele deu à Folha.

 

FOLHA - Como integrar a comunidade muçulmana na Europa, em meio ao preconceito crescente e posições radicais islâmicas?
GARTON ASH -
Parte do problema é etiquetar as pessoas como se a religião definisse a mentalidade. Todos têm que saber que são cidadãos, que têm os mesmos direitos e deveres. Não é o que acontece no momento na Europa. Temos que cumprir nossa promessa de dar igualdade de oportunidades

FOLHA - A Europa tem dificultado a entrada de imigrantes dos países pobres. O futuro é só atrair gente com diploma?
GARTON ASH -
Há muita gente no mundo que gostaria de se mudar para os países ricos, mas eles não têm como absorver tanta gente. Isso é particularmente verdadeiro na Europa, onde o Estado fornece assistência médica e educação. O que acho perigoso é a fuga de cérebros, tirarmos os melhores médicos e enfermeiros. O ideal era equilibrar três tipos de imigrantes. Receber refugiados genuínos, que fogem de agressores reais, aqueles que nossa economia necessita e os que querem vir para cá.

FOLHA - O sr. já criticou os maus tratos que visitantes recebem na hora de tirar visto nos consulados americanos. Os países ricos continuarão a se fechar?
GARTON ASH -
Como resposta ao 11 de Setembro, o governo Bush quis garantir liberdade através de segurança, de forma militar. Essa escolha fracassou. É melhor ter segurança criando mais liberdade no mundo.
Além do medo, da atmosfera da guerra ao terror, o que mais tem a ver nessa crescente desconfiança com os imigrantes é a perda de empregos para a China ou para a Índia. Será uma coisa muito ruim para o mundo se os EUA se fecharem em uma fortaleza. A imagem e o poder de atração dos EUA perderam muito, dramaticamente, nos últimos cinco, seis anos. Estão no caminho errado.

FOLHA - Como o sucessor de Bush pode começar a corrigir essa política?
GARTON ASH -
Os EUA precisam de uma mudança dramática, alguém que seja capaz de dizer "nós fizemos errado, dependemos demais da força militar, e agora estamos procurando priorizar outras áreas, diplomacia, democracia por meios pacíficos". Eles precisam de uma nova cara para os EUA.

FOLHA - Os atuais candidatos à Casa Branca demonstram ter aprendido a lição?
GARTON ASH -
Barack Obama tem potencial, e pode ter um impacto enorme no mundo. Al Gore também. Ele personifica outra maneira de fazer política. Mas duvido que Hillary Clinton consiga fazer a diferença que o mundo espera. Ela é identificada demais com o passado. Com todo meu respeito por Bill Clinton, há uma sensação no mundo de que os EUA estão virando uma oligarquia, entre as famílias Bush e Clinton.

FOLHA - O projeto de fomentar a democracia no Oriente Médio fracassou. Qual seria a melhor maneira de promovê-la por lá?
GARTON ASH -
Não se deve fazer isso invadindo países. Acho que espalhar democracias tem mais a ver com jardinagem. Verificar que sementes da democracia existem em determinado país, pacientemente regar e fertilizar. Pode ser imprensa independente, organizações de mulheres, partidos políticos ou advogados. Apoiá-los, em um compromisso de longo prazo.

FOLHA - O protecionismo está em alta até entre aqueles que se dizem a favor do livre mercado. Por que essa causa se tornou tão impopular?
GARTON ASH -
Os benefícios do livre comércio são de longo prazo, mas seus custos são de curto prazo. As fábricas se fecham agora, novos empregos vêm no futuro e os políticos trabalham com o curto prazo. Outro problema é que a globalização traz com ela crescente desigualdade, seja na Europa, nos EUA, na China ou na Índia. Surge um pequeno grupo de super-ricos e um enorme grupo de gente continua pobre.

FOLHA - Os países ricos estão longe de alcançar a promessa de investir 0,7% do PIB no combate à pobreza mundial. Mas o aquecimento global já roubou o destaque dessa causa. A pobreza ficou em segundo plano?
GARTON ASH -
Os mesmos políticos, os mesmos grupos que defendiam a luta contra a pobreza hoje estão na luta contra o aquecimento global. A questão é como fazer as duas coisas simultaneamente. A ajuda externa dos países ricos é dramaticamente baixa. Uma das prioridades para o próximo governo americano é recuperar sua relação com o mundo, é investir mais em ajuda. Compare os US$ 600 bilhões do orçamento da Defesa com o pequeno orçamento para ajuda humanitária, promoção de democracia, entre outros. É uma piada.

FOLHA - Os franceses estão encantados com o novo presidente Nicolas Sarkozy. Os futuros líderes se parecerão cada vez mais com gerentes hiperdinâmicos?
GARTON ASH -
Sarkozy é um fenômeno. Extraordinariamente dinâmico, notável líder, como o jovem Blair ou o jovem Clinton.
Vivemos em um mundo onde não há clara alternativa às versões do capitalismo democrático que temos. A questão hoje para os eleitores é qual é o melhor time para administrar. E, em cinco ou dez anos, nós ficamos cansados desse time e vamos para outro, para um novo. Todos eles falam de mudanças, mas efetivamente não há grandes diferenças. Nesse mundo, a política vai naturalmente para o centro.

FOLHA - Depois de fazer tantas concessões e ficar sem a Constituição, não parece que a UE continuará sem uma voz única no mundo?
GARTON ASH -
Fiquei contente com a cúpula. Agora a Europa vai ter uma voz clara no mundo, com um presidente do Conselho e um alto representante de Política Externa, representando 27 países, com 500 milhões de pessoas e uma economia comparável à dos EUA.
O que os americanos precisam é de um amigo grande o suficiente que faça Washington escutar. Esse amigo só pode ser uma Europa forte.


NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista em www.folha.com.br/071801


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