São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 2009

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ANÁLISE

O império se recolhe; agora é hora do coletivo

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BASILEIA

Desde o fim do ano passado, quando os países da América Latina e do Caribe criaram uma espécie de OEA do B, sem os Estados Unidos, havia uma justificada celebração pelo fato de que os Estados Unidos já não eram presença obrigatória nos assuntos da região.
Pena que o festejo pareça agora algo prematuro, com a crise em Honduras: se os militares hondurenhos não levassem a sério o afastamento dos EUA, talvez o golpe não tivesse acontecido.
Afinal, o próprio presidente Manuel Zelaya disse ao jornal espanhol "El País", na noite de sexta-feira, ou seja, pouco mais de 24 horas antes do golpe: "Se agora estou aqui sentado, na Casa Presidencial, falando com você [o jornalista espanhol], é graças aos Estados Unidos". Alusão às gestões norte-americanas para demover os militares de rebelar-se contra o presidente constitucional.
Já houve momentos -de que a Folha foi testemunha ocular e direta- em que gestões norte-americanas evitavam golpes: no plebiscito no Chile sobre a permanência ou não do ditador Augusto Pinochet no poder, em 1988, a Embaixada dos EUA chamou jornalistas na véspera para deixar claro que estava informada de manobras para fraudar o resultado e pronta para derrubá-las.
Derrubou-as, Pinochet perdeu o plebiscito e, no ano seguinte, deixava o poder.
Essa diferença de situação não quer dizer que a América Latina deva sentir saudades do intervencionismo americano. Afinal, o movimento mais recente de Washington fora na direção oposta tanto à do caso chileno de 88 como à do hondurenho agora: o governo George W. Bush apoiou o golpe que, por 48 horas, tirou Hugo Chávez do poder, em 2002.

Vácuo
O problema com o congelamento da influência norte-americana no subcontinente é que não houve substituição. Ficou um vácuo.
É evidente que o venezuelano Hugo Chávez, com seus coadjuvantes da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), faz um enorme esforço para preenchê-lo, mas é histriônico demais, faz teatro demais, para representar um mediador aceitável -isso que, na linguagem diplomática, se chama de "honest broker", o negociador honesto.
Ameaçar, como o fez Chávez, mandar tropas para Honduras, se houvesse problemas com seu embaixador, é o mesmo que gritar aos militares hondurenhos: "Vocês têm cem anos para deixar o poder ou eu invado o país". Afinal, não faz o menor sentido que os hondurenhos selecionem particularmente o embaixador venezuelano para a repressão.
O Brasil, por seu tamanho, população, peso econômico e, mais recentemente, projeção internacional seria o candidato natural para preencher o vazio deixado pelo recuo norte-americano, seja ele permanente ou momentâneo. Já exerceu um papel catalizador em duas crises mais ou menos recentes: a já citada da Venezuela, em 2002, quando o Brasil liderou a criação de um "grupo de amigos" que acabou desarmando o risco de guerra civil que parecia então iminente.
A segunda vez foi no ano passado, ao levar a crise boliviana a uma cúpula emergencial da Unasul, o que também a afastou do ponto de ebulição.
Mas o flexionar de músculos do Brasil ainda é recente demais, e a ação brasileira, como deve ser, se dá por meio de organismos coletivos, ao contrário do caráter unilateral do intervencionismo americano. Resta ver se o organismo multilateral ora em ação, a Organização dos Estados Americanos, tem dentes para impor o recuo aos militares hondurenhos.


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