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ANÁLISE
O império se recolhe; agora é hora do coletivo
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BASILEIA
Desde o fim do ano passado,
quando os países da América
Latina e do Caribe criaram uma
espécie de OEA do B, sem os
Estados Unidos, havia uma justificada celebração pelo fato de
que os Estados Unidos já não
eram presença obrigatória nos
assuntos da região.
Pena que o festejo pareça
agora algo prematuro, com a
crise em Honduras: se os militares hondurenhos não levassem a sério o afastamento dos
EUA, talvez o golpe não tivesse
acontecido.
Afinal, o próprio presidente
Manuel Zelaya disse ao jornal
espanhol "El País", na noite de
sexta-feira, ou seja, pouco mais
de 24 horas antes do golpe: "Se
agora estou aqui sentado, na
Casa Presidencial, falando com
você [o jornalista espanhol], é
graças aos Estados Unidos".
Alusão às gestões norte-americanas para demover os militares de rebelar-se contra o presidente constitucional.
Já houve momentos -de que
a Folha foi testemunha ocular
e direta- em que gestões norte-americanas evitavam golpes: no plebiscito no Chile sobre a permanência ou não do
ditador Augusto Pinochet no
poder, em 1988, a Embaixada
dos EUA chamou jornalistas na
véspera para deixar claro que
estava informada de manobras
para fraudar o resultado e
pronta para derrubá-las.
Derrubou-as, Pinochet perdeu o plebiscito e, no ano seguinte, deixava o poder.
Essa diferença de situação
não quer dizer que a América
Latina deva sentir saudades do
intervencionismo americano.
Afinal, o movimento mais recente de Washington fora na
direção oposta tanto à do caso
chileno de 88 como à do hondurenho agora: o governo
George W. Bush apoiou o golpe
que, por 48 horas, tirou Hugo
Chávez do poder, em 2002.
Vácuo
O problema com o congelamento da influência norte-americana no subcontinente é
que não houve substituição. Ficou um vácuo.
É evidente que o venezuelano Hugo Chávez, com seus
coadjuvantes da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), faz um enorme esforço para preenchê-lo, mas é histriônico demais, faz teatro demais,
para representar um mediador
aceitável -isso que, na linguagem diplomática, se chama de
"honest broker", o negociador
honesto.
Ameaçar, como o fez Chávez,
mandar tropas para Honduras,
se houvesse problemas com
seu embaixador, é o mesmo que
gritar aos militares hondurenhos: "Vocês têm cem anos para deixar o poder ou eu invado o
país". Afinal, não faz o menor
sentido que os hondurenhos
selecionem particularmente o
embaixador venezuelano para
a repressão.
O Brasil, por seu tamanho,
população, peso econômico e,
mais recentemente, projeção
internacional seria o candidato
natural para preencher o vazio
deixado pelo recuo norte-americano, seja ele permanente ou
momentâneo. Já exerceu um
papel catalizador em duas crises mais ou menos recentes: a
já citada da Venezuela, em
2002, quando o Brasil liderou a
criação de um "grupo de amigos" que acabou desarmando o
risco de guerra civil que parecia
então iminente.
A segunda vez foi no ano passado, ao levar a crise boliviana a
uma cúpula emergencial da
Unasul, o que também a afastou do ponto de ebulição.
Mas o flexionar de músculos
do Brasil ainda é recente demais, e a ação brasileira, como
deve ser, se dá por meio de organismos coletivos, ao contrário do caráter unilateral do intervencionismo americano.
Resta ver se o organismo multilateral ora em ação, a Organização dos Estados Americanos,
tem dentes para impor o recuo
aos militares hondurenhos.
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