São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007

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Dia de protestos mostra divisão no Chile

Sindicatos pedem aumento de salário e dizem que bonança não chega a trabalhadores; aliados de Bachelet criticam governo

Demandas sociais crescem, mas superávit é poupado por governo; vaca vira ícone de protesto, "ordenhada em benefício de poucos"

Claudio Reyes/Efe
Manifestantes são dispersados por jatos de água quando se aproximam do palácio de La Moneda, em Santiago, em protesto que exigiu mais igualdade social


RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dia de protestos e greve convocados pela maior central sindical chilena terminou ontem com 372 detidos e dez feridos, entre eles o senador socialista Alejandro Navarro, do mesmo partido da presidente Michelle Bachelet, o Socialista.
A Central Unitária de Trabalhadores (CUT) é dirigida por Arturo Martínez, também filiado ao PS. Ele acusou Bachelet de não cumprir a promessa de diminuir a desigualdade social no Chile. Entre as várias demandas dos sindicalistas, houve a queixa de que o novo salário mínimo, equivalente a R$ 540, é insuficiente.
"Avançar, avançar, até uma greve geral", era o coro dos manifestantes. A adesão à greve foi só parcial, mas os protestos e o fato de seus promotores fazerem parte de partidos da coalizão que governa o Chile desde a redemocratição, nos anos 90, incomodaram o governo.
O maior protesto reuniu 2.000 pessoas na praça Itália, no centro de Santiago. Faculdades e algumas escolas ficaram fechadas, mas, para o governo, a capital "operou em plena normalidade". Outros enfrentamentos aconteceram em Valparaíso e Concepción.
Bachelet disse que a democracia não precisa de "desordem nem de violência". "Na democracia e no meu governo, os trabalhadores sempre poderão demonstrar pacificamente suas demandas e seus direitos."
O protesto teve um vaca como símbolo. "Ela está cansada de ser ordenhada em benefício de poucos."
A CUT usou a metáfora bovina para falar do contraste entre a economia chilena (crescimento de 6% ao ano, índices macroeconômicos ótimos, superávit de US$ 18 bilhões na balança comercial) e a situação dos trabalhadores.
Por lei, boa parte da bonança chilena, obtida graças aos altos preços do cobre, precisa ser economizada em um fundo governamental. O cobre é o principal produto de exportação do país. Mineiros da maior mina de cobre do país fizeram greve no ano passado para ter direito a parte dos lucros com a alta do preço do mineral.

Mal-estar crescente
Segundo cifras do Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud), o Chile é o segundo país mais desigual da América Latina em distribuição de renda, depois do Brasil. Os 10% mais ricos ficam com 47% da renda, enquanto os 10% mais pobres, com só 1,2%.
"Há um mal-estar crescente do cidadão comum, que vê os números do governo e o governo com caixa cheio, mas não sente que sua vida muda", disse à Folha o professor David Altman, do Instituto de Ciência Política da Universidade Católica, de Santiago.
"O preço do gás subiu, pelos problemas com a Argentina, assim como a luz; no inverno, com a poluição, muita gente tem problemas respiratórios, chega aos hospitais públicos e vê tudo cheio. E os salários não refletem o crescimento", diz.
No ano passado, uma greve de secundaristas praticamente parou as escolas públicas do país, exigindo mais recursos para a educação. Bachelet enfrenta os maiores protestos desde a redemocratização.

Racha governista
Se as manifestações não foram gigantescas, os estragos foram bem maiores na Concertação, aliança de partidos de centro-esquerda (social-democratas e democratas cristãos) que governa o país desde 1990, com o fim da ditadura de Augusto Pinochet.
O senador socialista Navarro, que participou da mobilização, ficou ferido ao ser acertado com um cassetete por um policial. A maioria das prisões aconteceu nas proximidades do palácio presidencial de La Moneda, no centro de Santiago.
A polícia repeliu com jatos de água e gás lacrimogêneo aos grupos de manifestantes que queriam avançar até o palácio presidencial de La Moneda, onde a marcha não foi autorizada.
O dirigente da CUT Arturo Martínez disse que o governo fazia um papel "ridículo" em agredir os manifestantes. "Eles não podem dizer por onde passamos e onde nos reunimos. É nosso direito", protestou.
"A Concertação, que tem maioria no Senado e na Câmara, sofre com o fogo amigo, uma oposição interna que quer mudanças no modelo chileno", diz o professor Altman. "Mas ficou claro que os chilenos ainda não sabem fazer manifestações pacíficas, sempre com muita repressão. Há um déficit democrático, de sociedade civil organizada", diz.

Com agências internacionais

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