São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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Japão vota sob sombra de tradições e apatia

Taro Aso, atual premiê, e Yukio Hatoyama, opositor que deve subir ao poder, são a 4ª geração de políticos de suas famílias

Envelhecimento do povo e falhas estruturais põem em risco a riqueza da segunda maior economia mundial; eleição mantém status quo

Toru Hanai-20.ago.09/Reuters
Pôsteres do favorito a se tornar novo primeiro-ministro japonês, Yukio Hatoyama, na sede de seu comitê de campanha, em Tóquio

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

A eleição parlamentar de hoje no Japão deve marcar a maior derrota da história do Partido Liberal Democrata (PLD), no poder quase ininterruptamente desde 1955.
As pesquisas indicam que o opositor Partido Democrático do Japão (PDJ) pode ficar com 67% da Câmara dos Deputados, e Yukio Hatoyama, 62, será o novo primeiro-ministro, sucedendo o impopular Taro Aso, 68, há dez meses no cargo.
Mas diversos analistas ouvidos pela Folha dizem que a mudança de partido ainda é pouco para a renovação da política e da economia japonesas.
Tanto Hatoyama quanto Aso são da quarta geração de políticos em suas famílias. Nos anos 50, o avô de Hatoyama foi rival do avô de Aso, ambos no PLD.
Na versão nipônica do coronelismo, distritos eleitorais são passados de bisavôs para bisnetos, sem pular uma única geração. Os últimos quatro premiês do país seguem a tradição hereditária. Aso, Yasuo Fukuda e Shinzo Abe foram filhos ou netos de primeiros-ministros. O popular ex-premiê Junichiro Koizumi, aquele de penteado roqueiro, colocou o filho de 28 anos como candidato em seu distrito na eleição.

Problemas econômicos
Na economia, o peso da tradição não é tão diferente. A partir do pós-guerra, o importante era dar todo o poder a quem produzisse e protegê-lo da competição externa -desde que empregasse o máximo de gente possível. O emprego garantiria o bem-estar social. Caberia ao trabalhador se virar, poupando o máximo possível.
Essas políticas funcionaram enquanto havia o crescimento acelerado provocado pela reconstrução do país. A chamada "fortaleza Japão" impede a entrada de concorrentes estrangeiros em várias áreas, dá regalias aos empregados mais antigos, mesmo que já não produzam nada, e relega os contratos temporários e falta de benefícios aos mais jovens.
A chegada de imigrantes, os quais poderiam energizar o país e, pelo menos, aumentar a natalidade, sofre com ainda mais barreiras. "A recessão global expôs as fraquezas estruturais do Japão, da dependência excessiva das exportações e do consumo doméstico anêmico à ineficiência e às barreiras à competição", afirma a economista Mikka Pineda, analista-chefe para a Ásia da consultoria RGE Monitor.
"A raiz de tudo isso é etária. Uma população que envelhece faz encolher a mão de obra e o mercado consumidor. A década perdida já pode ser chamada de "décadas perdidas'", diz.
O Japão ainda é a segunda maior economia do mundo (mas deve ser ultrapassado pela China no ano que vem) e tem uma renda per capita de US$ 38 mil, 4,6 vezes maior que a brasileira. Mas toda essa riqueza está ameaçada.
O número de trabalhadores com mais de 65 anos aumentou 19% na última década, enquanto a participação dos que têm entre 25 e 34 anos encolheu 9%. Em cinco anos, um quarto da população japonesa já terá idade superior a 60 anos.
"Os partidos favorecem os eleitores mais velhos nas campanhas porque eles votam mais", diz Takehiko Nishino, ativista da organização não governamental Ring, que promove o voto entre os jovens.
Na eleição de 2005, 83% dos eleitores com mais de 60 anos compareceram às urnas, enquanto apenas 46% dos com menos de 30 anos votaram. Quem tem 25 anos de idade só se lembra de uma economia estagnada. "Não há um líder carismático, ninguém como [o presidente americano, Barack] Obama, que entusiasme os jovens", diz Nishino.
Segundo historiadores, a falta de entusiasmo é antiga. Graças a um regime que sobreviveu com um partido único por décadas, com políticos hereditários, ao que se soma uma Constituição imposta de fora, pelos vitoriosos na Segunda Guerra.


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