São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jovens afegãos fogem em massa para a Grécia

ONU se diz "alarmada" por lotação de centros de detenção para estrangeiros no país, que é porta de entrada para a Europa

Acirramento da guerra no Afeganistão faz com que crianças fujam sozinhas através da Ásia; condições de abrigos são precárias

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

A deterioração da guerra no Afeganistão está fazendo aumentar o número de crianças e adolescentes que buscam, sozinhos, refúgio na Europa. Um dos países mais afetados por esse deslocamento é a Grécia, onde centros de detenção de estrangeiros superlotados levaram a agência da ONU para refugiados (Acnur) a se declarar "alarmada" na última sexta.
O órgão das Nações Unidas contabiliza hoje mais de 2,8 milhões de refugiados afegãos pelo mundo (ou o equivalente a quase 10% da população remanescente no Afeganistão), a imensa maioria deles no Paquistão. Mas o crescimento do número de menores desacompanhados que deixam o país rumo à Europa chama a atenção de especialistas -desde 2007, os solicitantes de asilo nessa situação dobraram em alguns países, conforme dados oficiais.
A questão se tornou mais sensível na Grécia, onde em 2008, segundo a Guarda Costeira, desembarcaram 2.648 menores desacompanhados -a maioria afegã. O Acnur estima que sejam mais, pois muitos entram clandestinamente.

Violência
No entorno de cidades como Patras, campos de tendas surgidos ao longo da última década inflam, assim como crescem episódios de violência, confrontos com moradores locais e, segundo relatos à rede de TV Al Jazeera, crimes sexuais e de gangues. Em julho, a polícia fechou um desses campos.
A situação é também delicada nos centros de detenção onde são mantidos os recém-chegados. A Acnur relatou anteontem em Genebra uma visita a um centro em Pagani, na ilha grega de Lesbos, construído para abrigar 300 pessoas. Na ocasião, havia no local 850 pessoas, 200 das quais crianças e adolescentes sós.
Os funcionários da agência da ONU descrevem quartos superlotados e condições precárias de higiene. Em um só cômodo, afirmam, contaram mais de 150 mulheres e 50 bebês.

Lei dura
Instado pela ONU, o governo grego, do primeiro-ministro direitista Costas Karamanlis, prometeu lidar com o problema. Na avaliação da Acnur, Pagani é só um indício de um problema mais amplo no sistema de asilo grego.
O país contabilizava até janeiro deste ano (dado mais recente) cerca de 2.100 refugiados e mais de de 38 mil solicitantes de asilo -condição anterior à de refugiado, que precede a avaliação jurídica do caso.
Como outros vizinhos europeus, a Grécia também aprovou legislação para coibir a imigração ilegal dentro do escopo da nova lei da União Europeia que permite deter imigrantes por até um ano e meio. No ano passado, mais de 146 mil pessoas foram presas por entrar ou morar no país ilegalmente, aponta a agência.
A Acnur queixa-se da generalização do termo "imigrante ilegal", alegando que muitos ali precisam do status de refugiado e deveriam ser considerados apenas "irregulares" (sem documentação).
A agência da ONU diz ainda ter recomendado ao governo grego que tome medidas específicas para proteger as crianças e adolescentes, que ainda não foram implementadas. Apesar do esforço por parte de Atenas para melhorar as instalações onde esses menores são colocados, diz, o contínuo e maciço fluxo de recém-chegados minimiza seu efeito.
Os centros de detenção são usados em um primeiro momento, e aqueles que cumprem os requisitos para pedir asilo são removidos para centros de acolhimento após 90 dias -ainda são escassos ante a demanda, avalia a Acnur.

Porta de entrada
Embora as condições na Grécia não sejam das mais atraentes, muitos recém-chegados veem o país como porta de entrada para seguir para a Itália, a França, os países nórdicos e o Reino Unido -todos países que, desde 2001, enviaram soldados ao Afeganistão para lutar na coalizão liderada pelos Estados Unidos, que enfrenta o ano mais mortífero da guerra desde a queda do Taleban.
Em conversa com a Folha na semana passada, uma funcionária da Acnur descreveu cenas que em muito lembram o filme "Neste Mundo" (do inglês Michael Winterbottom, lançado em 2002) e o recente "Bem-Vindos" (do francês Phillip Lioret): adolescentes agarrados a chassis de caminhões que cruzam a Europa ou sufocados em contêineres e carrocerias, assediados por quadrilhas que operam o tráfico humano na região.


Texto Anterior: Unasul só não quebra porque não age
Próximo Texto: Eleições: Com 35% dos votos apurados, Karzai aparece com 46%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.