São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2011

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MINHA HISTÓRIA SALA JOMAA, 29

DIPLOMACIA DO KALASHNIKOV

Diplomata líbio que fala português troca carreira pela luta armada na insurgência contra o ditador Gaddafi

Apu Gomes/Folhapress
Sala Jomaa, 29, diplomata líbio que aderiu à luta armada

RESUMO
Sala Jomaa, 29, trabalhava como diplomata especializado em temas latino-americanos quando desertou e asilou-se na Noruega. Ficou um mês e voltou à Líbia para lutar ao lado dos insurgentes. Ele aprendeu a usar armas com um amigo. A pior batalha até agora, relata no português com sotaque lusitano que aprendeu em Portugal, foi a tomada do complexo de Gaddafi, em Trípoli.


SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A TRÍPOLI

Na minha família ninguém nunca gostou de Gaddafi, mas todos tinham medo.
Nasci em Zawiya, de mãe professora de primário e pai funcionário da indústria petroleira. Tenho sete irmãs.
Me formei em direito em 2006 e logo me tornei diplomata. Como eu quis me especializar em temas de América Latina, fui aprender português em Lisboa, onde passei seis meses. Depois, estive dois anos em Havana e voltei para a Líbia.
Não gostava de trabalhar para o governo de Gaddafi. Ele é um homem mau e cruel. Roubou as riquezas do país enquanto pessoas como eu não têm casa própria nem liberdade. Como diplomata, eu ganhava cerca de US$ 200 mensais (R$ 320).
Não hesitei em desertar do governo quando a revolução começou, em fevereiro. Consegui asilo na Noruega, fiquei um mês, mas voltei para me juntar aos combatentes.
Um amigo militar me treinou em Zawiya. Aprendi rápido a mexer com armas, não é difícil.
Meu primeiro combate foi em Brega,em junho. Ganhamos, e eu me virei bem no manejo do [fuzil] Kalashnikov e dos lança-granadas. Combato na linha de frente e sou chefe de algumas missões.
Os combates mais difíceis foram os da tomada de Bab al Azizia, a fortaleza de Gaddafi. Aquilo foi pesado. Perdi três amigos nos confrontos contra os mercenários africanos do ditador. Matei um que estava frente a frente comigo. Atirei e ele caiu duro.
Ele não tinha razão de estar ali. Morreu por culpa dele próprio. O que ele estava fazendo no meu país? O país dele fica na África subsaariana, não aqui na Líbia.
Quando estou combatendo não sinto medo, porque luto com o coração e com a razão. E tenho absoluta certeza de que estou lutando por uma causa justa.
Graças a Deus nunca fui ferido. Uma vez estava em um carro, em combate, e uma bala passou por debaixo do meu nariz e atingiu a lataria.
Minha mãe fica apavorada em saber que luto. Por eu ser o único filho homem, somos muito apegados um ao outro. Na maioria das vezes ela nem sabe que estou em combate. Digo apenas que vou para a casa de amigos.
Lutarei até o fim. Quero achar Gaddafi e entregá-lo ao comando revolucionário [rebelde] para que seja julgado. Depois disso, não quero voltar a pegar em armas.
Quero voltar a ser diplomata e trabalhar para o meu país. Vamos formar um novo governo que atenda às necessidades do nosso povo. Gaddafi deu tudo para os africanos e nada para os líbios.
É claro que o dia a dia de Trípoli está difícil sem água e eletricidade, mas milhares de pessoas morreram, e eu estou entre os vivos. Posso esperar e ter paciência até que as coisas se normalizem.

CASAMENTO E FILHOS
Quando tudo isso passar, quero fazer um grande casamento que seja ao mesmo tempo uma celebração pela chegada da liberdade.
Também pretendo ter filhos. Mas, por enquanto, não tenho namorada.
No tempo livre, gosto de jogar futebol. Sou torcedor do Barcelona e fã do Messi -o melhor jogador do mundo, na minha opinião.
Adoro música, principalmente os sucessos dos anos 80, como Modern Talking, A-ha, Duran Duran e Samantha Fox.
Agora peço licença porque tenho que sair para uma missão com meus colegas combatentes. Soubemos que há franco-atiradores de Gaddafi em um bairro da cidade. Precisamos eliminá-los. Essa guerra ainda não acabou.


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