|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Força não pode impor idéias, diz pensador
Para Hobsbawm, intervenções que não contam com consenso local, como ocorre na Guerra do Iraque, tendem a fracassar
Pessimista em relação ao futuro, historiador diz que, ao contrário dos séculos 19 e 20, situação atual não indica um caminho de progresso
SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A LONDRES
"As idéias podem viajar, mas
não a bordo de tanques." A frase do historiador Eric Hobsbawm resume sua descrença
em relação à imposição de valores por meio da força, como os
Estados Unidos vêm tentando
fazer no Iraque. Leia a seguir a
primeira parte da entrevista
com o historiador.
FOLHA - Em "A Era das Revoluções", o sr. fez uma descrição do
mundo no século 18. Se fosse fazer a
mesma análise do mundo hoje, que
aspectos seriam mais relevantes?
ERIC HOBSBAWM - Eu tentaria
começar a descrevê-lo pelo que
se pode ver do espaço. No começo da era das revoluções, o
único resultado da ação do homem na Terra que podia ser
visto do alto era a Grande Muralha da China. Agora podemos
ver muito mais. A partir dos foguetes, se percebe o declínio
das florestas, o tamanho e a luz
das metrópoles, o reflexo de
guerras e catástrofes. Se no século 18 sequer tínhamos uma
visão global, agora podemos estar no espaço para conferi-la.
Em segundo lugar, uma das
grandes dificuldades do século
18, a de como ir de um lugar para o outro, passou por uma revolução sem precedentes.
Também chamaria a atenção
para o que justamente não se
pode ver do espaço, a revolução
sem precedentes que é a internet. E outros temas como o fim
do campesinato e o novo lugar
das mulheres. Mas estou muito
velho pra um esforço desses...
FOLHA - Em seu novo livro, ao criticar a ação dos EUA no Iraque, o sr.
diz que os valores ocidentais não podem ser simplesmente apresentados como "importações tecnológicas cujos benefícios são imediatamente óbvios". Em que momento o
que era sonho virou pesadelo?
HOBSBAWM - Sempre foi um pesadelo quando se fez uso de poder militar para exportar valores. As idéias podem viajar, mas
não a bordo de tanques. Os
ideais da Revolução Francesa
se espalharam pela Espanha,
pela América Latina e causaram grandes transformações
políticas. Mas, quando a França
quis exportar suas instituições
à força, não teve sucesso.
Quando uma intervenção
não conta com certo consenso
local, tende a fracassar. A idéia
por trás de certo imperialismo
dos direitos humanos era de
que regimes tirânicos seriam
tão imunes a influências externas que precisariam ser removidos pela força. Mas trata-se
de uma concepção antiga, de
um mundo pré-1989, pré-redemocratização de regiões como
a América Latina.
FOLHA - O sr. diz que o objetivo de
seu novo livro foi ajudar os jovens a
enfrentar o século 21 com o pessimismo necessário. Por quê?
HOBSBAWM - O fato é que as
perspectivas não são boas. Não
me refiro apenas à política internacional, mas também aos
assuntos relacionados ao ambiente. Hoje já não se pode dizer tão seguramente, como nos
séculos 19 e 20, que estamos
num caminho de progresso.
Questões como crise de energia
e falta de água são reais. Outro
processo que não vai parar é o
da globalização, e talvez o preparo que se exija dos jovens é
para que saibam como lidar
com essa aceleração dramática.
FOLHA - O sr. disse que não é mais
um comunista porque o comunismo
já não está mais na agenda do mundo. Por que o anticomunismo está
tomando formas tão agressivas?
HOBSBAWM - O comunismo como movimento que conglomera muita gente já não existe.
Não se trata mais de uma alternativa no Ocidente. A partir de
1989, passou a ser diferente.
Com relação à China, por
exemplo, o que quer que esteja
acontecendo de errado lá não
tem nada que ver com o comunismo. Também não acho que
os trabalhadores que assinaram manifestos pelo comunismo no passado pensem que
acreditaram num Deus que falhou. Apenas quiseram fazer
uma opção, que não deu certo.
Hoje, achar que o comunismo é
um mal concreto é algo que está
limitado ao meio intelectual.
Mais especificamente, a intelectuais de países em que o comunismo foi muito influente
no debate político. Então chegou um momento em que essas
pessoas quiseram reagir contra, como se estivessem pedindo desculpas. Por exemplo,
François Furet [historiador
francês, autor de "Pensando a
Revolução Francesa"], quando
o conheci, ele não era apenas
um comunista, mas um enfático militante stalinista. E depois
virou-se completamente.
FOLHA - No prefácio de seu novo livro o sr. diz que suas convicções políticas são indestrutíveis.
HOBSBAWM - Sim, minha convicção de ser de esquerda continua. Me posiciono fortemente
contra o imperialismo e contra
as forças que acham que fazem
um bem a outros países ao invadi-los, e contra a tendência
de pessoas que, por serem
brancas, são superiores. Essas
certezas eu não abandono. Mas
algumas das minhas convicções mudaram. Não creio mais
que o comunismo como foi
aplicado poderia dar certo. E
não sou mais revolucionário.
Porém, não acho que tenha
sido mau para mim e para minha geração termos sido revolucionários. Cresci na Alemanha de Hitler, sempre odiarei
totalitarismos.
Texto Anterior: Entrevista Eric Hobsbawn: Superioridade americana é fenômeno temporário Próximo Texto: Futebol de hoje sintetiza globalização Índice
|