|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
"Kirchner quis quebra-cabeça impossível"
Para sociólogo argentino Ricardo Sidicaro, ex-presidente tinha rara habilidade de manejar diferentes interesses
Agora, Cristina terá de lidar com divergências internas e também com as fortes pressões dos movimentos sociais
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
Néstor Kirchner morreu
tentando montar um quebra-cabeça impossível: manter
unidos os apoios heterogêneos que foi angariando após
chegar, como um outsider do
peronismo, à Casa Rosada,
em 2003. E essa é a tarefa que
herda a presidente Cristina.
A avaliação é do sociólogo
Ricardo Sidicaro, autor de
"Los tres peronismos: Estado
y poder económico" (2005,
sem tradução no Brasil).
Para o professor da Universidade de Buenos Aires,
Kirchner entrará para a história como o presidente que, no
poder, dividiu o agregador
Partido Justicialista.
Folha - O que Néstor Kirchner
representa para a história do
peronismo?
Ricardo Sidicaro - Kirchner
é o primeiro presidente que
divide o peronismo. Nunca
havia acontecido antes. Com
[o ex-presidente] Carlos Menem, muitos peronistas eram
contrários, mas não foram
formar outro partido. O peronismo sempre representou o
partido que soma, que agrega. Com Kirchner, não.
Era verdadeiramente um
outsider do peronismo. Nos
dois primeiros anos de governo, fizeram um grande esforço para dizer que o peronismo havia acabado e que estavam construindo uma força
política nova. Depois, acabaram pactuando com dirigentes peronistas.
Ele representava uma pequena fração do peronismo
que chegou ao poder com
uma quantidade importante
de votos não peronistas, votos progressistas. Podemos
dizer que Kirchner passou os
momentos finais de sua vida
tentando montar um quebra-cabeças quase impossível.
Por que impossível?
Porque o grupo que vem
da ala mais crítica à ditadura,
as Mães da Praça de Maio ou
as Avós, sempre acreditou
que a maior parte dos dirigentes peronistas havia sido
cúmplice da ditadura. Contra
os sindicatos sempre estiveram as organizações de desempregados, que os viam
como burocráticos.
Os peronistas do interior,
que eram mais ou menos
acomodatícios, não mudaram em nada sua política. O
que em Buenos Aires poderia
aparecer como um aspecto
progressista do kirchnerismo, nas Províncias praticamente não apareceu. No interior, os caudilhos que há 30
anos estavam ali eram agora
do kirchnerismo.
E o que muda sem Néstor?
O kirchnerismo é uma forma muito particular de galáxia política. Nenhum dos
aliados tem respeito pelo outro. Sem dúvida, essa estrutura vai se ressentir da ausência de Kirchner se a presidente Cristina não assumir
para si todas essas relações
com os aliados. Kirchner havia fomentado esses apoios e
ele era quem, de certa forma,
colocava os limites, era o interlocutor mais válido.
Muito se falou que ele era
quem governava. Em todo
caso, Kirchner era a figura
mais importante dessa galáxia. Agora vemos a presidente, com sua personalidade,
seus momentos de crispação,
levando adiante esse tipo de
negociação? Kirchner lidava
muito bem com isso. Cristina
saberá fazê-lo?
O sr. acredita em uma desmontagem dessa galáxia?
Não creio em debandada.
Esse era um sistema que estava personalizado, mas é um
sistema de intercâmbios. Os
governos das Províncias esperam certos reforços de orçamento, os sindicatos esperam que se mantenham suas
prerrogativas etc.
A morte de Kirchner, teoricamente, não muda essas relações de poder. O que pode
acontecer é que um desses
blocos de apoio -o sindicalismo, por exemplo- queira
avançar mais em relação ao
que têm nesse momento. Se
isso acontecer, aí essa situação terá de ser manejada com
muita perícia. Mas não vai
acontecer imediatamente.
Vai ocorrer mais próximo das
eleições.
Texto Anterior: NY vai eleger democrata com boa vantagem Próximo Texto: Multidão segue chegada do corpo a Río Gallegos Índice | Comunicar Erros
|