UOL


São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

Texto Anterior | Índice

CIRCO POLÍTICO

Gafes e polêmicas do premiê italiano o distanciam da política e o aproximam do showbiz, dizem analistas

Berlusconi é eleito "descomunicador" do ano

LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

Ninguém neste ano se comunicou tão mal quanto Silvio Berlusconi. Foi essa a conclusão à qual chegou o júri de nove pessoas que concedeu ao premiê italiano, na última semana, o prêmio de "descomunicador" do ano pela Associação de Imprensa Estrangeira em Londres.
O título do prêmio -"miscommunicator", em inglês- é um trocadilho entre "falha de comunicação" (miscommunication) e os concursos de miss. A láurea foi disputada por concorrentes de peso, como Mohammed al Sahaf, o inacreditável ex-ministro das Comunicações do ditador iraquiano deposto Saddam Hussein -aquele que cantava vitória na TV enquanto as tropas americanas invadiam Bagdá.
O júri, que incluiu jornalistas de sete países e o ex-subsecretário de Estado americano James Rubin, teve um vasto material de análise.
Pródigo em declarações polêmicas, Berlusconi foi especialmente prolífico neste ano, quando defendeu o ex-ditador Benito Mussolini (1883-1945), ofendeu os alemães, chamou de "mentalmente deficientes" os juízes que investigam seus negócios e ainda assumiu a defesa do presidente russo, Vladimir Putin, e do premiê israelense, Ariel Sharon, quando ambos haviam tomado medidas repreensíveis em seus países.
A soma de gafes talvez só seja comparável, no universo berlusconiano, à sua declaração, dada em 2001, de que a civilização ocidental era superior à oriental e que a primeira ia seguir dominando povos mesmo que para isso batesse de frente com o islã.
"É errado avaliar Berlusconi do ponto de vista político. Você só pode entendê-lo dentro de uma estratégia televisiva", disse à Folha Roberto Vecchi, professor de Língua e Literatura Estrangeira na Universidade de Bolonha.
Mais do que um político, Berlusconi é um showman. Dono de um dos maiores impérios de mídia do país, que compreende de canais de TV a jornais e editoras, o premiê investe pesado na imagem de "gente como a gente".
"O que ele está buscando é um equilíbrio entre o homem de Estado e o homem da rua", afirmou Roberto Grandi, professor de teoria e técnica da comunicação de massa especializado em marketing político também na Universidade de Bolonha. "Ele quer falar como as pessoas falariam em um café, e com isso se distanciar da imagem do político tradicional."
Para os analistas, a personalidade de Berlusconi é a matéria-prima de seus estrategistas, e a base de seu apoio -além de uma vasta rede de interesses ligada a seus negócios pessoais- consiste na massa de telespectadores. "As pessoas que trabalham com a imagem do Berlusconi já sabem que ele vai fazer essas performances. Os eleitores mais educados podem não gostar, porque ele muitas vezes soa esdrúxulo ou mesmo vulgar demais. Já para as pessoas menos educadas, é um meio de se aproximar do que elas pensam", afirmou Grandi.
Vecchi pensa de maneira semelhante. "A metáfora da televisão é ótima nesse caso, porque a televisão é uma coisa que parece próxima, mas na verdade está distante. A tentativa de aproximação de Berlusconi é televisiva, falsa. Os interesses dele estão distantes dos de todo mundo. Mas o sistema se sustenta. Não é amadorismo, é algo muito engenhoso."
Segundo o professor de literatura, a TV, por sua efemeridade, cai como uma luva para as performances de Berlusconi. "Ele é a única pessoa que grava comentários, muitas vezes horríveis, e depois desmente como se não houvesse dito. A TV é um meio em que você pode dizer qualquer coisa e desmentir logo, não é algo que fica. Não é algo consistente."
Se por um lado o comportamento de Berlusconi faz parte de uma estratégia cuidadosamente traçada, por outro ele tem um tamanho grau de autenticidade que faz do premiê praticamente uma ameaça a si mesmo.
O episódio com os alemães foi ilustrativo. No que depois disse ter sido uma brincadeira mal interpretada, Berlusconi ofereceu a um deputado alemão, em pleno Parlamento Europeu, o papel de comandante nazista em um filme.
A declaração fez o chanceler (premiê) Gerhard Schröder cancelar suas férias na Itália, criando um incidente diplomático especialmente delicado (Berlusconi acabara de assumir a presidência rotativa da União Européia, na qual a Alemanha é o motor).
A atitude fermentou as críticas que já vinham sendo feitas ao premiê, sobretudo em cima do conflito de interesses entre ele governar o país e comandar um império financeiro que inclui um conglomerado de imprensa.
"Os demais líderes europeus não vêem a hora de o semestre italiano acabar", disse Grandi. "Quando está com membros do governo de outras países, ele conversa, por exemplo, sobre a relação dele com a mulher", afirmou o professor, referindo-se a quando Berlusconi prometeu apresentar o premiê dinamarquês à sua mulher porque ele era "mais bonito do que Massimo Cacciari", um ex-prefeito de Veneza com quem a mulher de Berlusconi, segundo a imprensa italiana, teria uma relação extraconjugal.
Para o analista, nem a presidência da UE será capaz de mudar o premiê. "Acho que para ele é muito difícil não dizer essas coisas. Se ele estiver lendo, tudo bem, mas, quando está falando, Berlusconi é Berlusconi."


Texto Anterior: Oriente Médio: Korei pede fim de barreira israelense
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.