São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2007

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Rússia e Ocidente disputam energia centro-asiática

Boas relações com governos locais e pesados investimentos dão aos russos a dianteira no Grande Jogo pela hegemonia

EUA vêem na região uma alternativa ao Oriente Médio; Rússia depende de suprimentos da Ásia Central para cumprir compromissos

ANDREW E. KRAMER
DO "NEW YORK TIMES", EM BUKHARA, UZBEQUISTÃO

Na quase desértica região ao sul de Bukhara, as fontes de gás natural são construídas sobre modestas plataformas de concreto que têm as dimensões aproximadas de quadras de basquete. Como o gás é pressurizado naturalmente, não são necessárias bombas para puxá-lo para a superfície. As tubulações simplesmente encostam no chão e recebem jorros de gás. O problema é para onde o gás vai a partir dali.
Após a fragmentação da União Soviética, os EUA e seus aliados europeus procuraram assegurar que as enormes reservas energéticas da Ásia Central fossem escoadas por gasodutos e oleodutos que passassem longe da Rússia. Era a versão mais recente do Grande Jogo, a disputa travada no século 19 entre a Grã-Bretanha imperial e a Rússia czarista pela hegemonia na região. Ultimamente, porém, o Ocidente vem ficando para trás.
"Temos uma dianteira boa e vamos aproveitá-la", disse o vice-primeiro-ministro russo Sergei Ivanov, em um pódio improvisado no meio no deserto de Kyzylkum, no Uzbequistão, na inauguração do mais recente campo de gás centro-asiático em operação. Desenvolvido pela petrolífera russa Lukoil, o campo tem estimados 400 bilhões de metros cúbicos de gás natural, que a Lukoil já vendeu antecipadamente pelos próximos 32 anos à também russa Gazprom.
A administração Bush identificou a Ásia Central como alternativa ao explosivo Oriente Médio. Os EUA promovem uma política de incentivo às exportações energéticas que passam ao largo da Rússia e procuram abrir a região aos investimentos ocidentais. A Rússia está reagindo, aumentando seus investimentos centro-asiáticos. Os trunfos em jogo são grandes: maior produtora mundial de gás e fornecedora européia de importância maior, a Rússia depende do suprimento da região para cumprir seus compromissos. "Os russos estão muito interessados em brigar para conservar o domínio", disse Jonathan Stern, especialista em gás natural do Instituto Oxford de Estudos Energéticos. Armados com o dinheiro de seu próprio boom petrolífero e com suas boas relações com líderes autocráticos locais, os russos desafiam companhias ocidentais como ExxonMobil e Chevron, ansiosas para ampliar suas operações centro-asiáticas.
Em 2005, tropas do presidente do Uzbequistão, Islam Karimov, abriram fogo contra uma multidão, num incidente descrito por organizações humanitárias como o pior massacre de manifestantes desde o da praça Tienanmen, na China, em 1989. O episódio causou tensão nas relações com os EUA. As perspectivas de participação ocidental no setor de gás natural perderam força.
Contrastando com a posição do Ocidente, o presidente russo Vladimir Putin visitou Karimov após o massacre e ratificou sua justificativa do que acontecera. Em 2006, a Lukoil ampliou sua presença no país. No vizinho Turcomenistão, Putin selou, em maio, o mais importante contrato energético fechado pelo país naquele ano.
Na década de 1990, empresas ocidentais chegaram a ter grandes ganhos no Cazaquistão. O principal deles foi Kashagan, a maior descoberta petrolífera do mundo desde os anos 1970.
Mas o acordo está atolado em disputas, e as autoridades cazaques forçaram a renegociação dos termos com seus parceiros no consórcio.


Tradução de CLARA ALLAIN


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