São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2008

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ARTIGO

Punição de Gaza despreza lições históricas

RAMI G. KHOURI

Deus puniu a arrogância dos hebreus do Velho Testamento fazendo com que vagueassem pelo deserto por 40 anos, antes de permitir que uma geração posterior, mais humilde, voltasse a Canaã. A atual geração de israelenses não soube aprender a lição daqueles 40 anos, a julgar pelos ataques ferozes que Israel vem empreendendo contra a faixa de Gaza. Há 40 anos, em dezembro de 1968, tropas especiais israelenses atacaram o aeroporto de Beirute e destruíram 13 aviões civis libaneses, em represália a um ataque palestino contra um avião civil israelense em Atenas. Israel pretendia levar os países árabes a impedir que os palestinos persistissem em sua luta contra os israelenses.
Hoje, 40 anos de guerras mais tarde, Israel volta a usar imensa força de represália para forçar a submissão dos palestinos em Gaza. Seria lícito perguntar com que objetivo. Os últimos 40 anos oferecem um guia confiável, se qualquer pessoa em Israel ou Washington se dispuser a considerar o registro histórico. O uso da superioridade militar clara de Israel contra palestinos, libaneses e outros árabes gerou cinco resultados conexos.
1) O poderio israelense desmantelou momentaneamente a infra-estrutura militar e civil palestina e árabe, mas os árabes sempre se recuperaram dos golpes alguns anos mais tarde com domínio tecnológico mais amplo e vontade política renovada de contra-atacar. Isso aconteceu quando os palestinos foram expulsos da Jordânia em 1970, e terminaram por restabelecer bases ainda mais letais no Líbano; ou quando Israel destruiu os quartéis da polícia do Fatah na Cisjordânia e em Gaza, anos atrás, e logo se viu enfrentando o Hamas.
2) A combinação de ferocidade militar, insinceridade nas negociações de paz e colonização continuada exibida por Israel viu grupos "moderados" e parceiros interessados em paz, como o Fatah, se autodestruírem lentamente, desafiados ou substituídos por inimigos mais duros. O Fatah deu lugar ao Hamas e à Jihad Islâmica, e a derivados mais extremistas do Fatah, como as Brigadas dos Mártires de Al Aqsa. O Hizbollah emergiu no Líbano depois da invasão e ocupação do sul do país por Israel em 1982.
3) A insistência de Israel em dominar todo o Oriente Médio militarmente levou o país a gerar novos inimigos onde dispunha de aliados estratégicos como o Líbano e o Irã. Israel trabalhava em estreito contato com alguns dos grupos libaneses cristãos, e tinha elos fortes de segurança com o xá do Irã. Hoje, 40 anos mais tarde, Israel vê as ameaças mais sérias, talvez à sua existência, emanando do Hizbollah no Líbano e do regime radical do Irã.
4) O imenso sofrimento que Israel inflige aos palestinos comuns faz de uma população em geral dócil um campo de recrutamento para extremistas, combatentes de resistência, terroristas, atacantes suicidas. Depois de décadas de políticas que envolvem detenção em massa, fome compulsória, colonização, assassinato, ataque e terror contra os palestinos, estes terminam por reagir à sua desumanização por uma inversão que leva ao uso dos mesmos métodos cruéis para matar soldados e civis israelenses.
5) As políticas israelenses ao longo das décadas foram uma importante razão, embora não a única, para transformar o ambiente político mais amplo do mundo árabe em uma estufa para o surgimento de movimentos radicais islâmicos que confrontam os Estados policiais árabes mais severos.
Todas essas tendências são vistas em ação no atual ataque israelense a Gaza: radicalização árabe e palestina, reação islâmica em meio à inércia do pan-arabismo, o descrédito continuado do governo do presidente palestino Mahmoud Abbas e agitação política na região contra Israel, seus protetores nos EUA e a maioria dos governos árabes. Nada disso é novidade.
A nova guerra israelense contra o Hamas abre caminho à repetição das cinco tendências acima, que prejudicaram tanto árabes quanto israelenses.
O intervalo bíblico de 40 anos que separa o ataque de Israel ao aeroporto de Beirute em 28 de dezembro de 1968 e a ofensiva contra Gaza em 27 de dezembro de 2008 se torna relevante. O prazo deveria ter bastado para que os israelenses aprendessem que suas armas não aquietaram os vizinhos árabes nem garantiram a segurança ao longo das fronteiras israelenses. O oposto aconteceu, e voltará a acontecer agora. Eis algo a considerar quando o novo período de 40 anos começar a transcorrer: a única coisa que conseguiu aproximar os israelenses e os árabes foram acordos de paz genuínos e eqüitativos com o Egito e a Jordânia, nos quais os árabes foram tratados como povos dotados de direitos iguais à segurança e a um Estado estável.


RAMI KHOURI é editor especial do "Daily Star", de Beirute, e diretor do Instituto Issam Fares de Política Pública e Assuntos Internacionais da Universidade Americana de Beirute. Este artigo foi distribuído pela Agence Global


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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