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ARTIGO
Punição de Gaza despreza lições históricas
RAMI G. KHOURI
Deus puniu a arrogância dos
hebreus do Velho Testamento
fazendo com que vagueassem
pelo deserto por 40 anos, antes
de permitir que uma geração
posterior, mais humilde, voltasse a Canaã. A atual geração
de israelenses não soube
aprender a lição daqueles 40
anos, a julgar pelos ataques ferozes que Israel vem empreendendo contra a faixa de Gaza.
Há 40 anos, em dezembro de
1968, tropas especiais israelenses atacaram o aeroporto de
Beirute e destruíram 13 aviões
civis libaneses, em represália a
um ataque palestino contra um
avião civil israelense em Atenas. Israel pretendia levar os
países árabes a impedir que os
palestinos persistissem em sua
luta contra os israelenses.
Hoje, 40 anos de guerras
mais tarde, Israel volta a usar
imensa força de represália para
forçar a submissão dos palestinos em Gaza. Seria lícito perguntar com que objetivo.
Os últimos 40 anos oferecem
um guia confiável, se qualquer
pessoa em Israel ou Washington se dispuser a considerar o
registro histórico. O uso da superioridade militar clara de Israel contra palestinos, libaneses e outros árabes gerou cinco
resultados conexos.
1) O poderio israelense desmantelou momentaneamente
a infra-estrutura militar e civil
palestina e árabe, mas os árabes
sempre se recuperaram dos
golpes alguns anos mais tarde
com domínio tecnológico mais
amplo e vontade política renovada de contra-atacar. Isso
aconteceu quando os palestinos foram expulsos da Jordânia em 1970, e terminaram por
restabelecer bases ainda mais
letais no Líbano; ou quando Israel destruiu os quartéis da polícia do Fatah na Cisjordânia e
em Gaza, anos atrás, e logo se
viu enfrentando o Hamas.
2) A combinação de ferocidade militar, insinceridade nas
negociações de paz e colonização continuada exibida por Israel viu grupos "moderados" e
parceiros interessados em paz,
como o Fatah, se autodestruírem lentamente, desafiados ou
substituídos por inimigos mais
duros. O Fatah deu lugar ao Hamas e à Jihad Islâmica, e a derivados mais extremistas do Fatah, como as Brigadas dos Mártires de Al Aqsa. O Hizbollah
emergiu no Líbano depois da
invasão e ocupação do sul do
país por Israel em 1982.
3) A insistência de Israel em
dominar todo o Oriente Médio
militarmente levou o país a gerar novos inimigos onde dispunha de aliados estratégicos como o Líbano e o Irã. Israel trabalhava em estreito contato
com alguns dos grupos libaneses cristãos, e tinha elos fortes
de segurança com o xá do Irã.
Hoje, 40 anos mais tarde, Israel
vê as ameaças mais sérias, talvez à sua existência, emanando
do Hizbollah no Líbano e do regime radical do Irã.
4) O imenso sofrimento que
Israel inflige aos palestinos comuns faz de uma população em
geral dócil um campo de recrutamento para extremistas,
combatentes de resistência,
terroristas, atacantes suicidas.
Depois de décadas de políticas
que envolvem detenção em
massa, fome compulsória, colonização, assassinato, ataque e
terror contra os palestinos, estes terminam por reagir à sua
desumanização por uma inversão que leva ao uso dos mesmos
métodos cruéis para matar soldados e civis israelenses.
5) As políticas israelenses ao
longo das décadas foram uma
importante razão, embora não
a única, para transformar o ambiente político mais amplo do
mundo árabe em uma estufa
para o surgimento de movimentos radicais islâmicos que
confrontam os Estados policiais árabes mais severos.
Todas essas tendências são
vistas em ação no atual ataque
israelense a Gaza: radicalização
árabe e palestina, reação islâmica em meio à inércia do pan-arabismo, o descrédito continuado do governo do presidente palestino Mahmoud Abbas e
agitação política na região contra Israel, seus protetores nos
EUA e a maioria dos governos
árabes. Nada disso é novidade.
A nova guerra israelense contra o Hamas abre caminho à repetição das cinco tendências
acima, que prejudicaram tanto
árabes quanto israelenses.
O intervalo bíblico de 40
anos que separa o ataque de Israel ao aeroporto de Beirute em
28 de dezembro de 1968 e a
ofensiva contra Gaza em 27 de
dezembro de 2008 se torna relevante. O prazo deveria ter
bastado para que os israelenses
aprendessem que suas armas
não aquietaram os vizinhos
árabes nem garantiram a segurança ao longo das fronteiras
israelenses. O oposto aconteceu, e voltará a acontecer agora.
Eis algo a considerar quando
o novo período de 40 anos começar a transcorrer: a única
coisa que conseguiu aproximar
os israelenses e os árabes foram
acordos de paz genuínos e eqüitativos com o Egito e a Jordânia, nos quais os árabes foram
tratados como povos dotados
de direitos iguais à segurança e
a um Estado estável.
RAMI KHOURI é editor especial do "Daily Star",
de Beirute, e diretor do Instituto Issam Fares de
Política Pública e Assuntos Internacionais da
Universidade Americana de Beirute. Este artigo
foi distribuído pela Agence Global
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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