São Paulo, quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

É situação extrema, sim, chanceler

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Vai ser difícil encontrar um país que o chanceler Celso Amorim considere em "situação extrema", se ele de fato acredita que o Irã não pode ser enquadrado nessa descrição.
Ajuda-memória ao chanceler: desde as eleições de junho, o regime dos aiatolás matou dezenas de manifestantes (oito só no domingo, segundo admitiu o próprio governo, embora a oposição fale em 15); provocou milhares de feridos; deteve milhares; torturou um bom número deles; condenou cinco dos dissidentes à morte e, como se fosse pouco, sequestrou o cadáver de um dos mortos do domingo, o sobrinho do candidato opositor derrotado, Mir Hossein Mousavi, conforme o relato de uma das poucas jornalistas ocidentais que permanecem no Irã, Ángeles Espinosa, correspondente de "El País".
Ah, por falar em jornalismo, a censura à mídia é a regra, não apenas agora, mas desde sempre.
Ah, por falar em desde sempre, o regime é teocrático, o que é uma "situação extrema", mais ainda para países, como o Brasil, que respeitam a laicidade.
O artigo 56 da Constituição iraniana afirma: "A soberania absoluta sobre o mundo e sobre o homem pertence a Alá e é Ele quem oferece ao homem a liberdade de dispor de si mesmo".
Se esse preceito não é extremo, o que é extremo para Amorim?
Se o chanceler se calasse sobre a situação interna do Irã, daria para entender, embora não necessariamente para justificar. Relações internacionais -e não apenas as do Brasil- caracterizam-se por um pragmático cinismo.
Mas, em vez de calar-se, o chanceler preferiu emitir juízo de valor sobre a situação iraniana, com o que está se imiscuindo, sim, em assuntos internos. Não serve nem aos interesses de Estado que, em tese, são os que justificam amizades inconvenientes. Amanhã ou depois, os dissidentes podem ganhar o jogo interno, e o Brasil estará mal colocado na foto.


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