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ANÁLISE
É situação extrema, sim, chanceler
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Vai ser difícil encontrar um
país que o chanceler Celso
Amorim considere em "situação extrema", se ele de fato
acredita que o Irã não pode ser
enquadrado nessa descrição.
Ajuda-memória ao chanceler: desde as eleições de junho,
o regime dos aiatolás matou dezenas de manifestantes (oito só
no domingo, segundo admitiu o
próprio governo, embora a
oposição fale em 15); provocou
milhares de feridos; deteve milhares; torturou um bom número deles; condenou cinco
dos dissidentes à morte e, como
se fosse pouco, sequestrou o cadáver de um dos mortos do domingo, o sobrinho do candidato
opositor derrotado, Mir Hossein Mousavi, conforme o relato de uma das poucas jornalistas ocidentais que permanecem no Irã, Ángeles Espinosa,
correspondente de "El País".
Ah, por falar em jornalismo, a
censura à mídia é a regra, não
apenas agora, mas desde sempre.
Ah, por falar em desde sempre, o regime é teocrático, o que
é uma "situação extrema", mais
ainda para países, como o Brasil, que respeitam a laicidade.
O artigo 56 da Constituição
iraniana afirma: "A soberania
absoluta sobre o mundo e sobre
o homem pertence a Alá e é Ele
quem oferece ao homem a liberdade de dispor de si mesmo".
Se esse preceito não é extremo, o que é extremo para Amorim?
Se o chanceler se calasse sobre a situação interna do Irã,
daria para entender, embora
não necessariamente para justificar. Relações internacionais
-e não apenas as do Brasil-
caracterizam-se por um pragmático cinismo.
Mas, em vez de calar-se, o
chanceler preferiu emitir juízo
de valor sobre a situação iraniana, com o que está se imiscuindo, sim, em assuntos internos.
Não serve nem aos interesses
de Estado que, em tese, são os
que justificam amizades inconvenientes. Amanhã ou depois,
os dissidentes podem ganhar o
jogo interno, e o Brasil estará
mal colocado na foto.
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