São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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ANÁLISE

Opções arriscadas de Bush

DAVID E. SANGER
DO "NEW YORK TIMES"

O debate cada vez mais intenso sobre o serviço de inteligência americano no período anterior à Guerra do Iraque apresenta ao presidente George W. Bush alternativas difíceis e arriscadas num momento em que ele equilibra a política de um ano eleitoral com declarações para reformar o aparato da inteligência e para restaurar a credibilidade da nação no restante do mundo.
Bush poderia ordenar o início de uma investigação sobre o desempenho das agências de inteligência -como insistem democratas e o ex-inspetor-chefe de armas David Kay-, mas seus auxiliares temem que a decisão possa provocar danos políticos. Quase certamente, ela reabriria velhas feridas com a CIA (Agência Central de Inteligência, o serviço secreto dos EUA).
Bush poderia continuar sustentando que a ação militar se justifica independentemente de quão urgente fosse a ameaça de Saddam Hussein e adiar a investigação e uma possível reforma das operações de inteligência por um ano. No entanto sua equipe política teme que semelhante decisão deixe o assunto vivo por todo um longo período de campanha.
Ou o presidente, e aqueles da sua equipe de segurança nacional que já falaram sobre como Saddam poderia usar seu arsenal para atacar a qualquer instante, poderia concluir que alguma coisa de muito errado aconteceu durante o longo trajeto até a guerra.
Mas a Casa Branca não tem o hábito de admitir seus erros. E, mesmo que o presidente Bush prometesse consertar o que muitos dizem ser um sistema defeituoso, esse conserto não seria fácil -como notam seus assessores de segurança nacional.
Os funcionários da Casa Branca não vão dar detalhes sobre por que estão hesitando tanto para começar uma investigação. Mas estão diante de uma situação em que os democratas procuram evidências para culpar o presidente Bush e o vice-presidente Dick Cheney, e alguns republicanos vasculham por provas contra George Tenet, o diretor da CIA -que foi escolhido para o cargo por Bill Clinton.
Um funcionário da Casa Branca disse anteontem que havia um claro risco de um inquérito poder sair de controle. Exatamente o que muitas autoridades do governo acham que aconteceu com o inquérito sobre os ataques de 11 de setembro de 2001.
Ainda assim, alguns membros da administração estão começando a argumentar, em conversas reservadas, que essa investigação é inevitável agora que Kay declarou ao Senado: "Estávamos quase totalmente errados".
Fazer o que Kay diz ser necessário -realizar um inquérito e reformar a inteligência antes que erros similares sejam cometidos no Irã ou na Coréia do Norte- tornou-se extremamente complexo.
O presidente Bush já defendeu publicamente as agências de inteligência americanas em parte, segundo alguns funcionários do governo, por querer evitar outra confrontação pública com Tenet e o aparato da inteligência.
Muitos republicanos defendem seguir o caminho de Kay e colocar a culpa na avaliação da agência de inteligência, não na Casa Branca. De acordo com eles, essa seria a melhor maneira de proteger o presidente Bush da acusação de que ele teria preferido destacar as informações mais negativas.
Os conselheiros políticos do presidente sabem muito bem que o relatório de Kay deu aos pré-candidatos democratas algo que eles havia muito procuravam: uma maneira de colocar em discussão novamente se Bush foi imprudente e belicoso, disposto a distorcer descobertas da inteligência para que se encaixassem em sua própria agenda, mesmo à custa da credibilidade do país.
O que resta disso é um, por enquanto, vagaroso recuo da Casa Branca -uma meia-volta a cada dia, a cada fato, nas declarações feitas com tanta confiança nove meses atrás. O presidente Bush não mais afirma, como já fez, estar certo de que, cedo ou tarde, armas não-convencionais serão descobertas no Iraque.


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