São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2009

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Diálogo entre EUA e Irã desagrada Israel

Presidente Shimon Peres diz em Davos não crer em negociação com "fanáticos religiosos", que acusa de estimular terror

Israelense também não aceita negociar com Hamas e diz que dá por encerrado incidente da véspera com o primeiro-ministro turco

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O presidente de Israel, Shimon Peres, não escondeu seu desconforto com a perspectiva de que os EUA iniciem um diálogo direto com o Irã. "Não temos nada contra o povo iraniano, e sim contra fanáticos religiosos que querem controlar toda a região", disse Peres ontem em entrevista a um pequeno grupo de jornalistas. Como o diálogo não será com "o povo iraniano", mas com o governo que Israel considera dominado por "fanáticos religiosos", o desconforto fica explícito.
Explícito e explicável: para Peres -e para a maioria dos analistas independentes- o Irã é o padrinho de dois grupos fundamentalistas cuja principal pauta é a destruição do Estado judeu. São o Hizbollah (Partido de Deus), que opera no Líbano, e o Hamas (Movimento de Resistência Islâmico), que controla Gaza.
Se essa análise é correta, um diálogo direto entre os EUA e o Irã se refletiria no Líbano e em Gaza, os dois pontos negros, no momento, para a segurança de Israel. "O Irã financia, arma e estimula esses dois grupos a utilizarem o terrorismo", diz Peres, para apontar para o que considera inimigo principal.
Peres deu por encerrado o incidente da véspera com o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, que abandonou Davos depois de um bate-boca com ele. O presidente israelense telefonou depois para Erdogan e, segundo contou, disse-lhe esperar que um incidente pessoal não interfira nas (boas) relações entre Israel e Turquia, que Peres aponta como "uma escolha melhor para o mundo árabe do que o Irã -"mais avançada, menos fanática e que não quer a bomba [atômica]".
O presidente israelense reclamou também do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que, no debate da véspera, criticara o ataque de Israel ao escritório da ONU em Gaza. "Poderia ter sido mais polido", diz.
O presidente de Israel discorda da visão que predomina na mídia ocidental, segundo a qual Israel perdeu a batalha de imagem com a invasão de Gaza e, portanto, teria ficado isolado -de que o incidente com Erdogan seria um reflexo.
Peres, ao contrário, prefere contar que Israel recebeu, privadamente, pedidos de líderes árabes para que resolvesse o problema do Hamas. A Folha perguntou quais países, mas Peres escapou: "Mesmo que eu lhe dissesse reservadamente, você publicaria".
O presidente israelense faz todo o esforço para demonstrar que nem Israel nem ele têm restrições aos palestinos. Lembrou, por exemplo, que, em certa ocasião, foi ao Parlamento sueco com o então líder Iasser Arafat (1929-2004) pedir recursos para os palestinos.

Hamas e OLP
Peres insiste também na tremenda complexidade da questão israelo-palestina, "pelos 2.000 anos de história, pelas religiões [que têm locais sagrados na região] e pelas emoções" que o tema desperta. Tanto é assim que todas as sessões sobre Oriente Médio realizadas em Davos tiveram lotação completa, mesmo em meio a uma crise econômica, que é o tema preferido para os empresários, a clientela de Davos.
A Folha lembrou a Peres, 85 anos, que ele era do tempo em que Israel considerava a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e Arafat, seu líder máximo, como "terroristas", o que não impediu a negociação que desaguou nos Acordos de Oslo, o ponto mais próximo da paz a que se chegou.
"Seria possível imaginar ainda no seu tempo de vida idêntica negociação com o Hamas?"
Peres preferiu contar a história de uma reunião da Internacional Socialista, da qual era vice-presidente como representante do Partido Trabalhista israelense, em que foi apresentada moção para que a OLP fosse aceita na Internacional. Peres foi o único a se opor, e disse que, em vez de pressioná-lo a aceitar a OLP, deveriam pressionar Arafat para que mudasse a carta de fundação da OLP que, como hoje a do Hamas, pregava a destruição de Israel.
Foi o que fez a Internacional Socialista com êxito. Por isso, Peres sugere que a comunidade internacional pressione o Hamas a mudar: "Eles têm que mudar, para o benefício de suas próprias crianças".


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