São Paulo, domingo, 31 de março de 2002

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HISTÓRIA

Duas décadas após a guerra, habitantes das ilhas britânicas prosperam, enquanto argentinos enfrentam crise

Malvinas vivem contraste com a Argentina

GUSTAVO CHACRA
DA REDAÇÃO

Vinte anos após a invasão argentina às Ilhas Malvinas, os kelpers, como são denominados os ilhéus, vivem em um cenário totalmente distinto do da crise pela qual passa a Argentina.
Os 2.913 habitantes das Falklands, nome britânico das ilhas -são uma Dependência do Reino Unido-, têm pleno emprego, inflação de 1% ao ano, educação gratuita até a universidade, criminalidade zero, uma renda per capita de US$ 21 mil por ano e um superávit de US$ 8,55 milhões, equivalente a 11,5% da receita. A ilha tem reservas suficientes para cobrir dois anos de despesas sem precisar arrecadar um centavo.
Um grande contraste com a Argentina, onde o desemprego se aproxima de um quinto da força de trabalho, a cotação da moeda está fora de controle, teme-se o retorno da hiperinflação e dois presidentes renunciaram ao cargo.
De acordo com Michael Heart, assessor econômico -espécie de ministro da Economia- das Malvinas, as ilhas vivem um "boom" econômico com o desenvolvimento do setor pesqueiro nos últimos anos e hoje a economia é auto-suficiente.
Mas não só na economia a situação das Malvinas se difere da situação argentina. As ilhas não têm hoje praticamente nenhuma ligação com os argentinos.
A quase totalidade dos kelpers são de origem britânica. E nenhum deles é argentino ou descendente. Os últimos habitantes argentinos deixaram as ilhas quando foram expulsos pelos britânico em 1833, em um dos vários episódios de confrontação entre os dois países por um território praticamente isolado no Atlântico sul, distante 480 km do ponto mais próximo da América do Sul, não por acaso, a costa argentina.
Para chegar às ilhas, é preciso pegar um avião em Santiago, no Chile, fazer escala em Punta Arenas, no sul do país, antes de chegar a Port Stanley (Puerto Argentino, para os argentinos), capital das ilhas. O valor da passagem do vôo semanal é de US$ 675 a partir de Santiago. Desde 1999, os argentinos podem visitar as Malvinas, após acordo entre Londres e Buenos Aires. Uma vez por mês, o vôo faz escala no sul argentino. Porém pouco mais de cem turistas argentinos vão anualmente para as ilhas reclamadas pela Argentina há quase 182 anos.
Em 1820, os argentinos, independentes anos antes da Espanha, reivindicaram pela primeira vez a soberania sobre as Malvinas, considerada parte de seu território. Nos séculos anteriores, porém, as ilhas haviam sido disputadas pelo Reino Unido e pela Espanha. Em 1774, os britânicos foram expulsos pelos espanhóis das ilhas.
Em 1828, a Argentina povoou pela primeira vez o local, permanecendo no território até 1833. Não foi preciso disparar um tiro para que os argentinos deixassem as Malvinas.
No século passado, os argentinos tentaram retomar as ilhas por uma via negociada com os britânicos. Porém as negociações sempre foram infrutíferas.
Em 2 de abril de 1982, a Junta Militar da Argentina decidiu invadir as Malvinas, mas acabaram derrotados em batalha pouco mais de dois meses depois. Cerca de 650 argentinos e 258 britânicos morreram no conflito.
Hoje, os ilhéus evitam falar sobre os argentinos. Com uma relativa autonomia em relação ao Reino Unido, uma incorporação das ilhas ao território argentino é uma opção totalmente descartada, segundo Lisa Redel, editora do "Penguin News", principal jornal das Malvinas, com circulação de 1.600 exemplares semanais.
Para a editora, a principal importância dos argentinos para o território se daria no setor turístico, devido à proximidade entre os dois países. Nada além disso.
"Os kelpers tem vida própria. Temos nosso próprio governo, nossa moeda", afirmou Redel, por telefone, à Folha.
A moeda do país é a libra das Falklands, com paridade de um a um com a libra britânica. Não se sabe o que aconteceria se o Reino Unido adotasse o euro como moeda. Talvez as Malvinas se tornassem o primeiro lugar do hemisfério Sul a ter a moeda comum européia em circulação.
A ilha, apesar de ter um governador-geral nomeado pela coroa britânica, é efetivamente governada por três conselheiros executivos, escolhidos entre oitos conselheiros legislativos das ilhas, que são eleitos pela população.
Não há partidos nas Malvinas. Trabalhistas e conservadores não existem em Port Stanley.
A candidatura dos conselheiros é individual. E todos podem se candidatar.
A maior parte dos habitantes trabalha para o governo ou no setor pesqueiro. Cerca de 10% da população possui um segundo emprego; 20% dos aposentados continuam trabalhando apesar de receber pensões. No interior das ilhas, a principal atividade é a criação de ovelhas.
Em um local onde nasceram apenas 27 pessoas no ano passado, sendo 15 homens e 12 mulheres, os jovens têm poucas opções de lazer. Segundo a editora do "Penguin News", três pubs são as únicas áreas de lazer públicas à noite. Durante o dia, especialmente no verão, as práticas esportivas são vela, futebol e golfe. No inverno, o squash é popular. Apesar da escassez de lazer, a quase totalidade dos jovens volta às ilhas após estudar na Inglaterra, à custa do governo das Malvinas.



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