São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 2006

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ORIENTE MÉDIO

Para analistas americanos, grupo induz Washington a agir a seu favor mesmo contrariando interesses nacionais

Lobby pró-Israel ameaça EUA, diz estudo

CORINE LESNES
DO "LE MONDE", EM WASHINGTON

Em um ensaio intitulado "O lobby israelense e a política externa dos Estados Unidos", os professores Stephen Walt, diretor de estudos da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard, e John Mearsheimer, professor de ciência política na Universidade de Chicago, afirmam que os EUA, com demasiada freqüência, confundem seus interesses com os do Estado judaico, ao ponto de "comprometer sua segurança".
Eles culpam por isso o "lobby pró-israelense", grupo que definem como sendo composto de indivíduos e organizações que "trabalham ativamente" para influir sobre a diplomacia americana. "Outros grupos de interesse conseguiram direcionar a política externa americana no sentido que desejavam, mas nenhum conseguiu distanciá-la tanto daquilo que o interesse nacional americano recomendaria, e, ao mesmo tempo, convencer os americanos de que os interesses dos EUA e de Israel são quase idênticos", escrevem os dois pesquisadores.
Divulgado no site de Harvard na internet, o texto não foi retirado, apesar dos protestos de associações pró-israelenses. Mas a universidade acrescentou à sua página um parágrafo indicando que as opiniões expressas no texto são apenas dos autores.
A tese contraria o raciocínio habitual nos EUA, segundo o qual a ameaça terrorista aproximou Israel dos EUA. Para os dois professores, que se incluem na escola "realista" em matéria de política internacional, se os EUA têm um problema com o terrorismo, "é em grande medida porque são aliados de Israel, e não o inverso".
Desde o fim da Guerra Fria, dizem os dois pesquisadores, Israel deixou de ser um "trunfo estratégico" que ajuda a conter a expansão soviética na região, e passou a ser um "fardo". Para eles, que se opuseram à guerra no Iraque, o lobby pró-Israel e o governo israelense foram, não o único fator, mas "um elemento crítico" na decisão de derrubar o regime de Saddam Hussein.

Espionagem
Walt e Mearsheimer recordam que Israel é o maior beneficiário da ajuda econômica e militar americana, seguido pelo Egito (cerca de US$500 por habitante por ano), sendo que sua receita per capita é equivalente à da Espanha ou da Coréia do Sul.
Apesar disso, acusam os dois autores, o Estado judaico não se comporta como "aliado leal". Ele vendeu tecnologia delicada à China. Walt e Mearsheimer também citam um relatório do organismo orçamentário do Congresso (GAO), segundo o qual, entre todos os aliados dos EUA, é Israel que empreende "as mais agressivas operações de espionagem" contra os Estados Unidos.
Dois integrantes da principal organização do lobby, a Aipac (Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelense), estão sendo processados por terem repassado informações confidenciais sobre o Irã obtidas do analista do Pentágono Larry Franklin.
Desde que foi divulgado, o texto vem suscitando críticas virulentas, especialmente com relação à parte em que acusa os institutos de reflexão e a imprensa de parcialidade pró-Israel. Mearsheimer disse ao "Le Monde" que nenhuma publicação dos EUA aceitou publicar o artigo.
Os pesquisadores começaram seu estudo em 2002, depois que lhes chamou a atenção a maneira como Ariel Sharon ignorou o pedido do presidente Bush de adiar a retomada de controle sobre cidades da Cisjordânia, num momento em que essa operação prejudicava a imagem dos EUA no mundo árabe.
"Nosso desejo é fazer com que os EUA sigam uma política que atenda a seu interesse nacional", disse Mearsheimer. "Não achamos que a guerra no Iraque corresponda a esse interesse. Nos pareceu claro que essa política era movida, em grande medida, pelo lobby israelense."


Tradução de Clara Allain

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