São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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Empresa dos EUA financiou "paras" em programa oficial

Chiquita dava dinheiro a grupos armados colombianos por meio de patrulha que tinha apoio do então governador Uribe

Revelação se encontra em documentos da inteligência norte-americana que vieram a público por meio de ONG de Washington


FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Documentos de inteligência dos EUA revelam que o governo colombiano tem há dez anos conhecimento da infiltração paramilitar na Convivir, uma rede de cooperativas rurais de segurança criada pelos militares para fazer patrulhas e obter informações sobre a guerrilha, cuja atuação tinha o apoio do então governador do departamento (Estado) de Antioquia, Alvaro Uribe.
Foi por meio dessa rede que a empresa americana Chiquita realizou parte dos pagamentos ilegais às Autodefesas Unidas de Colômbia (AUC), coalizão de grupos paramilitares.
O escândalo dos pagamentos da Chiquita começou há duas semanas, quando a empresa, que trabalha com exportação de bananas, admitiu a um tribunal nos EUA ter pago US$ 1,7 milhão aos "paras" entre 1997 e 2004, em troca de "proteção".
Até 2001, quando as AUC foram classificadas como "organização terrorista" pelos EUA, os pagamentos eram feitos por meio de cheques a várias unidades da Convivir, que repassava o dinheiro aos paramilitares.

Multa de US$ 25 milhões
A Chiquita terá de pagar uma multa de US$ 25 milhões ao Departamento da Justiça dos EUA, que havia indiciado a empresa pelos pagamentos, feitos na área de Urabá, departamento de Antioquia, berço político do presidente Alvaro Uribe.
Os documentos, publicados anteontem pela ONG Arquivo Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês), com sede em Washington, mostram que, já em 1997, o governo colombiano tinha indícios de relações entre paramilitares e a Convivir. Naquela época, Uribe era o governador de Antioquia (1995-1997) e apoiava as cooperativas de segurança.
De acordo com um relatório da Embaixada dos EUA em Bogotá enviado em outubro de 1996, Uribe disse que a Convivir "havia levado à captura de líderes guerrilheiros na região" e exortou o governo a armar alguns dos grupos, organizados em patrulhas rurais.
Em 15 de julho de 1997, um documento da inteligência americana traz o depoimento de um coronel do Exército colombiano, segundo o qual o governo federal sabia do risco de o programa Convivir "se desenvolver completamente em paramilitares".
Outros documentos do mesmo período revelam que as Forças Armadas colombianas tinham um comportamento de "inação" contra os paramilitares, aliados tácitos contra as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
"A novidade é que temos essa quantidade de documentos que, juntos, mostram essa relação", disse à Folha Michael Evans, pesquisador da NSA.
"O indiciamento pelo Departamento da Justiça no caso Chiquita é realmente a chave disso tudo, porque deixa bem claro como a Convivir, essa rede de segurança mantida pelo governo e pelos militares, era de fato a ligação entre a Chiquita e os paramilitares da AUC. Mostra um nível de infiltração paramilitar nesse programa sobre o qual ainda não se sabia."
O pesquisador afirma que não está claro qual era o papel do governo de Antioquia na atuação da Convivir, apenas que Uribe era um "grande defensor" do projeto.
"Um dos argumentos que esses documentos produzem é que, naquela parte da Colômbia, naquela época [1997], quando começou o relacionamento entre a Chiquita e as AUC, os paramilitares eram a lei. A intenção não é dizer que a Chiquita não é a culpada, mas mostrar que o governo colombiano havia cedido aquela parte do país aos paramilitares."

Governo não comenta
A Folha entrou em contato por telefone ontem com a assessoria de imprensa da Presidência da Colômbia e foi orientada a submeter as questões por escrito. Até o final desta edição, as perguntas não haviam sido respondidas.
Uribe enfrenta um escândalo político sobre o envolvimento de membros de sua base parlamentar com o paramilitarismo.


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