São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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ARTIGO

Em busca das lições argelinas

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um livro publicado em 1977, destaca o "Guardian", tornou-se celebridade "underground" entre oficiais militares americanos. O assunto é contra-insurgência, o passado é a Argélia e o presente é o Iraque.
Depois da circulação de cópias custando até US$ 150, e mesmo assim objetos de disputa, uma nova edição, resultante do interesse renovado, ficou mais acessível, preço em torno de US$ 20. Foi enriquecida com um prefácio de "atualização", incluindo o Iraque como um campo de insurgência que deve buscar lições sobretudo na Guerra da Argélia. Um "pesadelo sem fundo", como dizia De Gaulle, que não viu outra saída senão negociar.
A ressurreição da obra de Allistair Horne pode ser vista como atestado de que a busca de uma saída no Iraque contamina o establishment militar, principalmente o de contra-insurgência, dos Estados Unidos, com olhos sobretudo na Argélia e não tanto no Vietnã. O filme "A Batalha de Argel" tem circuitos de projeções nos porões do Pentágono.
No conjunto de lições se destaca a necessidade de reconhecer, antes de qualquer coisa, que a insurgência, embora com conteúdo de lutas sectárias, parte da oposição a um poder colonial. Também convencer-se de que sociedades ocidentais em nenhuma circunstância devem recorrer à tortura. O nunca é repetido várias vezes, como se aí repousasse um erro crucial, cometido na Argélia e também no Iraque.
Há uma velha história de trágicos erros. O primeiro centro de contra-insurgência do Pentágono foi instalado no Japão, já de olho no Vietnã, com assessoria francesa. Destacou-se na época um coronel francês chamado Roger Triquier, ex-comandante das tropas especiais na Guerra da Indochina, perdida pela França. Triquier justificava o emprego de "qualquer meio" para conter a subversão.
Ou a insurgência. Defendia a tortura como "veneno que acaba com terroristas, como foguetes acabam com aviões e metralhadoras acabam com soldados".
A França foi derrotada tanto na Indochina como na Argélia, por onde Triquier também andou, mas os códigos franceses de contra-insurgência sobreviveram e invadiram as centrais de repressão do Ocidente.
Agora talvez seja a fase aguda de uma revisão, de entender o que se passou na Argélia, transformada em codinome de contra-insurgência, e procurar não repetir erros. A tortura foi central na batalha de Argel, os franceses massacraram a insurgência na capital argelina, mas acabaram perdendo a guerra.
Há quem veja semelhanças entre a batalha de Argel e o que o próprio Bush chama da batalha de Bagdá, o reforço com mais tropas da repressão na capital iraquiana com o objetivo de transformá-la em matriz da "normalização" do Iraque. A crença, de trágica memória para os franceses, de que a lei do mais forte acaba se impondo, não importam os meios empregados.


O jornalista NEWTON CARLOS é analista de questões internacionais

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