São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

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Cuba é questão de honra e saia-justa na OEA

Países latino-americanos defendem revogar medida que suspendeu a ilha, mas grupo que inclui o Brasil não quer atrito com Obama

Negociação sobre imbróglio emperra e será retomada por ministros reunidos em encontro anual da entidade nesta semana em Honduras

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

A diplomacia brasileira ajudou a impulsionar o tema da exclusão de Cuba da OEA (Organização dos Estados Americanos) para o topo das prioridades latino-americanas ao promover, em dezembro passado, na Bahia, a primeira cúpula dos 33 países da América Latina e do Caribe, sem participação dos EUA e do Canadá.
Na cúpula, marcada pelo primeiro tour regional do dirigente cubano Raúl Castro depois de assumir oficialmente o posto que pertenceu por 49 anos ao irmão Fidel, a ilha foi incorporada ao Grupo do Rio, mecanismo diplomático regional.
Agora, no entanto, Cuba virou tanto uma questão de honra quanto de incômodo para o Brasil e diversos outros países latino-americanos, incluindo México, Chile e Uruguai, interessados em fazer prosperar o "relançamento" das relações entre os EUA e a região proposto por Barack Obama durante a Cúpula das Américas, em abril, em Trinidad e Tobago.
O paradoxo explodiu nos preparativos para a Assembleia Geral anual dos ministros de Relações Exteriores dos 34 países da OEA, que começa depois de amanhã em San Pedro Sula, em Honduras.
Anteontem, na sede da OEA, em Washington, os diplomatas tentaram freneticamente redigir uma resolução de meio-termo entre a proposta defendida por Venezuela e outros países da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas) e o projeto dos americanos.

Tempo para Obama
O primeiro grupo queria que fossem abertas as portas para o reingresso da ilha na organização se e quando ela quiser -Cuba diz não desejar.
Os EUA propuseram abrir um diálogo para a eventual volta de Cuba, sem a anulação imediata da decisão de 62 -que expulsou o governo da ilha por receber armas de "potências comunistas extracontinentais" (a extinta União Soviética).
Chegou-se a um texto, apoiado pelo Brasil, que revoga a decisão da Guerra Fria, mas condiciona o retorno cubano ao respeito à democracia e aos direitos humanos. Só que, neste ponto, as negociações foram interrompidas. E apenas serão retomadas em Honduras.
Na delegação brasileira na organização interamericana, a preocupação durante toda a semana passada era evitar o confronto em San Pedro Sula. Prevalecia a ideia de que a América Latina precisa dar um tempo a Obama, que sofre pressão interna para não tomar novas medidas que abrandem o embargo a Cuba.
Essa visão é até mais generosa do que a de alguns analistas americanos, como Larry Birns, do progressista Conselho de Assuntos Hemisféricos, de Washington. Para ele, a política muito gradualista da equipe de Obama para a ilha comunista pode ser pouco eficaz e carece de base eleitoral significativa dentro dos EUA.
"A maioria dos congressistas defende o fim das barreiras comerciais, assim como as 500 maiores empresas da lista da "Forbes". Pesquisas mostram que pelo menos 65% dos cubano-americanos querem derrubar todas as restrições impostas à ilha", afirma Birns.

Futuro da OEA
Como pano de fundo do debate centrado em Cuba, que eclipsou a "cultura da não violência", tema oficial da Assembleia Geral, está o próprio futuro da OEA.
A organização, criada em 1948, foi considerada até os anos 80 pela esquerda um instrumento da hegemonia americana no continente.
Nos anos 90, findas as ditaduras militares de direita, foram aprovadas as regras de compromisso coletivo com a democracia -"a primeira vez no hemisfério em que se avançou além da ideia da soberania dos Estados", na definição de Alfredo Valladão, titular da cátedra Mercosul do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Nesta década, e principalmente no governo George W. Bush (2001-2009), as políticas americanas passaram a ser crescentemente contestadas pelos vizinhos ao sul, o que se refletiu no prestígio da OEA.
Sobre o futuro da entidade, porém, os analistas se dividem.
Birns vê a organização em trajetória declinante, que pode se acelerar se a Casa Branca não perceber que a América Latina diversificou suas relações políticas e comerciais e "não é mais a de nossos avós".
"Obama se saiu muito bem em Trinidad e Tobago, foi como a estreia de um filme. Mas não pode produzir esse impacto outra vez. Tem que pensar numa base prática", diz.
O analista americano aposta que uma organização regional sem os EUA vai ganhar força, e que ela pode ser a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), criada em maio do ano passado sob a liderança brasileira e que mediou a crise institucional na Bolívia logo depois.
Já Alfredo Valladão acredita que só a OEA, herdeira da União Panamericana de 1910, tem o quadro institucional legal e administrativo capaz de resolver grandes questões de segurança e políticas.
Ele cita o problema do narcotráfico como um exemplo em que a participação de Washington é imprescindível. "Temos capacidade de resolver isso sozinhos?", questiona.
No que os dois especialistas coincidem é na ideia de que a assimetria entre o Brasil e os seus vizinhos, aliada ao fato de a Casa Branca estar muitas vezes incumbindo o país da tarefa de administrar os problemas regionais, pode levar outros países latino-americanos a buscar um balanço de poder justamente nos EUA.
"Eles [nossos vizinhos] também são pragmáticos", diz Valladão. Birns argumenta que "a única coisa que faz algumas nações mais cautelosas é que elas olham para os EUA como um contrapeso ao Brasil".


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