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Protestos eclodem pelos países da região; revolta toma os libaneses
DO ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE
Massacre. Choque. Revolta.
Essas foram as palavras mais
ouvidas ao longo dia nas TVs libanesas, que dedicaram praticamente toda a sua programação à cobertura da ofensiva israelense, a análises e a reações.
Os esforços das equipes de resgate eram mostrados ao vivo,
enquanto os gritos desesperados de mulheres que tinham
parentes entre as vítimas eram
ouvidos ao fundo. Pequenos
grupos se juntavam em restaurantes e cafés de Beirute, para
acompanhar a contagem de
mortos mais recente. Dos territórios palestinos ao Kuait, do
Egito à Tunísia, chegavam notícias de que a revolta se espalhava pelo mundo árabe e ameaçava incendiar de vez um conflito
que já radicalizara a região.
No protesto mais grave ocorrido ontem em Beirute, centenas de pessoas com bandeiras
do Hizbollah e de um outro
grupo xiita, o Amal, invadiram
o representação da ONU, quebrando o que viam pela frente.
Houve protestos também em
frente à Embaixada dos EUA,
nas cercanias de Beirute.
Alguns canais de TV dividiam a tela, mostrando de um
lado cenas do ataque de ontem,
e, do outro, do ataque israelense em 1996 a um abrigo de refugiados da ONU na mesma Qana, quando 106 civis morreram.
O ataque de dez anos atrás virou um símbolo nacional de indignação e solidariedade ao
Hizbollah no país, onde muitos
o chamam de "holocausto libanês". Uma emissora de rádio
chamou o novo bombardeio de
"Qana 2".
Mesmo aqueles que se
opõem ao Hizbollah não puderam evitar o sentimento de indignação e a constatação de que
o episódio é altamente inflamável politicamente. "O resultado
mais imediato será unir o povo
libanês e aumentar o sentimento anti-Israel em todo o
mundo árabe", disse o brasileiro Carlos Eddé, secretário-geral de um tradicional partido
cristão libanês. "Esse ataque
tem todos os sinais de uma limpeza étnica. E não adianta Israel dizer que mandou a população deixar a cidade, pois continua sendo limpeza étnica."
Refugiados
Numa escola secundária do
bairro de Bir Hassan, oeste de
Beirute, que virou abrigo de
moradores do sul deslocados
pela ofensiva israelense, três
famílias de Qana dividem uma
sala de aula. Sentada numa pilha de colchonetes, Afra Shalhoum 43, conta que chegou à
escola há cinco dias trazendo os
três filhos, depois de ver sua casa ser totalmente destruída por
um míssil. "Eu estava dentro de
casa. Foi muita sorte a parede
não cair em cima dos meus filhos", diz Afra, que morava a
poucos metros do prédio atacado ontem por Israel, onde morreram dois de seus primos.
Afra, com a tradicional veste
muçulmana, se revolta quando
ouve a afirmação do Exército
israelense de que pediu aos moradores que deixassem a cidade
ou a de que o Hizbollah usa civis como "escudos humanos".
"É mentira! Eles só dizem isso
para ter uma desculpa e poder
matar mais xiitas", levanta a
voz, enquanto jura fidelidade
ao líder do Hizbollah, Hassan
Nasrallah. "Se eles [Israel] matarem dez, nascerão cem para
lutar. E nós faremos tudo o que
o xeque Nasrallah disser para
defender nossa terra."
Enquanto o tom predominante na mídia libanesa era de
repúdio ao "massacre" israelense, em raros momentos uma
pequena brecha para o ceticismo se abria. Num deles, um
apresentador da TV LBC, de
proprietários cristão e que
mantém uma linha de oposição
ao Hizbollah, levantou dúvidas
sobre as circunstâncias com
que o ataque veio a público. Segundo ele, apesar de o bombardeio ter ocorrido à 1h da manhã, só por volta de 7h as equipes de reportagem tiveram permissão para entrar no prédio.
A demora, especulou o jornalista, teria ocorrido para que os
membros do Hizbollah que estavam no prédio pudessem retirar qualquer vestígio de armamentos que estariam guardando no local. Israel afirma
que o grupo xiita usara a área
atacada para disparar foguetes
contra o seu território, o que
originou o contra-ataque.
Em meio ao espanto, houve
quem tentasse manter a esperança, ainda que sombria, no
fim da violência. "Em 1996 foi o
massacre de Qana que levou ao
cessar-fogo", lembrou um repórter da LBC, em referência
ao acordo que pês fim à ofensiva israelense conhecida como
Vinhas da Ira, em resposta aos
ataques de Hizbollah. "Quem
sabe esse novo massacre também abra os olhos do mundo e
pare a agressão israelense?"
Choque regional
O ataque em Qana provocou
uma reação de choque em cadeia pela região. Na faixa de Gaza, onde Israel também vem
efetuando ataques em retaliação ao seqüestro de um soldado, centenas de pessoas protestaram com cartazes que chamavam o premiê de Israel e o
presidente dos EUA de "terroristas". As principais facções
armadas palestinas, que já receberam apoio logístico do Hizbollah, exortaram seus militantes a fazer ataques contra Israel
para vingar as mortes de Qana.
"Todas as opções estão abertas, inclusive ataques profundos na entidade sionista", disse
Mushir al Masri, deputado do
Hamas, grupo que controla o
governo palestino, numa indicação de que os ataques terroristas poderão ser retomados.
Nas cidades de Belém e Tulkarem, na Cisjordânia, bandeiras
de Israel foram queimadas.
"Hizbollah é nosso herói, ataquem Tel Aviv", gritavam os
participantes.
Na Jordânia e no Egito, os
dois únicos países árabes que
mantêm relações diplomáticas
com Israel, com acordos de paz,
a indignação ameaça se voltar
contra os governos. Oito deputados independentes e de oposição egípcios pediram à Liga
Árabe que force as autoridades
do Cairo e de Amã a romper relações com Israel.
O rei da Jordânia, Abdullah
II, foi o primeiro líder árabe a
repudiar o "horrendo massacre". "Esse massacre representa um ato criminoso covarde e
uma flagrante violação de todas
as convenções internacionais",
disse o rei em telefonema ao
premiê libanês, Fouad Siniora.
O secretário-geral da Liga
Árabe, Amr Moussa, engrossou
o coro. "A Liga Árabe pede uma
investigação internacional sobre esse massacre e outros crimes de guerra israelenses cometidos no Líbano, sobretudo
os que afetaram civis", disse o
grupo em comunicado oficial.
(MARCELO NINIO)
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