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Como podemos permitir que
isso continue?
ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"
Eles escreveram os nomes das crianças mortas
em suas mortalhas de
plástico. "Mehdi Hashem,
sete anos, Qana", estava
escrito a caneta no saco
com o corpo do menino.
"Abbas Shalhoub, um ano,
Qana." E, quando o soldado libanês pegou o pequeno corpo, ele pousou sobre
seu ombro, como o menino deve ter feito no ombro
do pai no sábado. Os pequenos corpos foram colocados sobre tapetes. Os cabelos tinham poeira, e havia sangue nos narizes.
É preciso um coração de
pedra para não sentir a indignação dos que presenciaram a cena. Esse massacre foi uma obscenidade,
uma atrocidade -e, se Israel realmente bombardeou com a "pontaria acurada" que diz ter, foi também um crime de guerra.
O premiê Ehud Olmert
falou em "terror muçulmano" ameaçando a "civilização ocidental", como
se o Hizbollah tivesse matado todas aquelas pobres
pessoas. E justamente em
Qana, palco há apenas dez
anos de outro massacre, o
assassinato de refugiados
libaneses, mais da metade
crianças. É como se Qana
tivesse sido condenada pelo mundo, destinada a receber a tragédia eternamente.
E não há dúvida sobre o
míssil que matou todas essas crianças ontem. Ele
veio dos EUA, e sobre um
fragmento dele lia-se: "Para uso da bomba guiada
MK-84 BSU-37-B ".
Encontrei Nejwah Shalhoub no hospital, o queixo e o rosto enfaixados como Robespierre antes de
sua execução. Ela não chorou, não gritou, embora a
dor estivesse escrita em
seu rosto. Seu irmão foi
morto. Sua irmã também.
E ainda sua sobrinha Zeinab, de apenas seis anos.
"O que, em nome de Deus,
fizemos para merecer isso? As crianças estavam
brincando. Por que o mundo faz isso com a gente?"
O massacre de ontem
acabou com mais de um
ano de antagonismo dentro do governo libanês:
tanto os políticos pró-EUA quanto os pró-Síria
denunciaram o "crime terrível". Ninguém no país
pode esquecer como George W. Bush, a senhorita Rice e Tony Blair repetidamente se recusaram a exigir um cessar-fogo imediato -uma trégua que teria
salvo essas vidas.
E qual a reação de Olmert? "Vamos continuar a
atividade e, se necessário,
ampliá-la sem hesitação".
Quão mais longe ela pode
chegar? A infra-estrutura
libanesa está em pedaços,
as vilas, riscadas do mapa,
sua população, mais e
mais aterrorizada pelas
bombas de Israel fabricadas pelos americanos.
Os mísseis do Hizbollah
são iranianos, e foi ele
quem começou a guerra.
Mas a selvageria de Israel
contra a população civil
choca profundamente. O
Hizbollah se esconde entre as casas civis. Mas isso
pode ser desculpa para tamanha carnificina?
O premiê Siniora chamou diplomatas estrangeiros ontem. Não há necessidade de dizer que o
embaixador do país que
fez a bomba que matou os
inocentes decidiu não ir.
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