São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2008

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Justiça poupa governo islâmico na Turquia

Acusado de ferir princípios do laicismo no país, partido moderado AK escapa de dissolução, mas sofre sanções econômicas

Caso foi decidido por apenas um voto; UE reitera apoio aos governistas, mas pede concertação com "todos os setores da sociedade turca"

Umit Bektas/Reuters
Simpatizantes comemoram na sede do AK, em Ancara, decisão da Justiça que manteve no poder o partido de raízes islâmicas

DA REDAÇÃO

Após meses de tensão, o Tribunal Constitucional da Turquia decidiu ontem por apenas um voto não dissolver o Partido Justiça e Desenvolvimento (AK), a agremiação islâmica moderada hoje no poder. O partido havia sido acusado de minar os princípios do laicismo e de querer instaurar uma regime teocrático no país.
Dos 11 juízes da junta, 6 optaram pela dissolução do AK. Eram necessários pelo menos sete votos para que o partido fosse tornado ilegal.
A máxima instância jurídica turca também rechaçou pedido da Promotoria para que os 70 principais quadros da legenda, entre eles o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan e o presidente Abdullah Gül, tivessem os direitos políticos cassados por cinco anos.
Embora tenha mantido o AK, o tribunal adotou sanções financeiras contra a agremiação governista. Os magistrados decidiram privar o partido de metade dos 25 milhões em financiamento público que lhe seriam destinados este ano.
"A decisão foi uma advertência muito séria", afirmou o presidente do tribunal, Hasim Kilic, que recebeu na segunda um requerimento do procurador-geral acusando o AK de violar o secularismo imposto pela legislação desde 1928, após a fundação da República turca por Mustafá Kemal Ataturk.
O partido, que se apresenta como uma legenda de centro-direita de orientação islâmica, chegou ao poder em 2002 e se manteve desde então graças ao apoio das camadas mais pobres e rurais. O governo do AK alavancou a economia turca e fez da adesão à União Européia uma de suas prioridades.
Mas as elites laicas do país, que controlam os meios militar, econômico e acadêmico, enxergam por trás da imagem de moderado do premiê um islamita radical, que busca eliminar as bases seculares da nação.
Para os defensores do laicismo, a decisão do governo de reverter a proibição contra o uso do véu muçulmano por mulheres nas universidades, vigente desde 1989, provaria que o AK busca "islamizar o país". A mudança na lei foi aprovada pelo Parlamento em fevereiro, mas acabou rejeitada pelo Tribunal Constitucional. Tensões entre religiosos e secularistas persistiram ao longo deste ano.

Segunda chance
Analistas avaliam que o veredicto de ontem afasta o risco imediato de crise política e econômica generalizada, mas não altera a rejeição do AK pelas elites. "[O partido] está recebendo uma segunda chance. Percebeu-se que não havia condições de simplesmente bani-lo, mas isso não significa que isso não possa acontecer no futuro", disse a analista Tolga Ediz ao "Financial Times".
A oposição secularista considerou que a decisão do Tribunal Constitucional deve forçar uma mudança de rumo por parte do governo. "O AK não pode continuar com sua linha política anterior. Eles ganharam uma chance. Para que a aproveitem ao máximo, eles precisam passar por uma autocrítica séria", disse Onur Oymen, vice-presidente do Partido Republicano Popular.
Em tom apaziguador, Erdogan assegurou que seu partido "continuará comprometido com os valores fundamentais da República".
A decisão de poupar o partido governista é vista como uma oportunidade de relançar a candidatura da Turquia à União Européia, que teria ficado comprometida em caso de dissolução do AK.
O bloco qualificou como "positivo" o veredicto da Justiça turca, e o chefe da UE para ampliação, Olli Rehn, disse que ontem foi "um grande dia para a Turquia e para a Europa".
Mas Rehn ressaltou que Ancara precisa agora redobrar os esforços para levar adiante as reformas sociais e econômicas a serem cumpridas como condição para aderir à UE e cobrou que Erdogan governe em concertação com "todos os setores da sociedade".


Com agências internacionais


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