São Paulo, sexta-feira, 31 de julho de 2009

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Obama faz "cúpula da cerveja" para abrandar polêmica racial

Presidente recebe na Casa Branca professor negro e policial que o prendeu

Maioria dos americanos crê que democrata conduziu mal o tema; em entrevista, ele chegou a qualificar de "estúpida" a ação policial

Jim Young/Reuters
Obama e seu vice, Joe Biden(sem paletó), durante encontro com o professor de Harvard Henry Gates e o policial que o prendeu

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

No que deve ter sido o encontro de homens em torno de garrafas de bebida mais coberto e debatido em tempo real da história dos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, seu vice, Joe Biden, o intelectual negro Henry Gates Júnior e o policial branco James Crowley sentaram-se ontem à mesa de um jardim da Casa Branca para degustar cervejas geladas.
Apelidada pela imprensa local em tom de galhofa de "Cúpula da Cerveja", a reunião teve o exato momento em que um garçom da residência presidencial servia os quatro homens transmitido ao vivo pelas emissoras noticiosas do país, que acompanharam tudo em programas especiais, com mesas-redondas e comentaristas especialmente convidados.
Tamanha histeria justifica-se pelo contexto do encontro: no dia 16, Crowley prendeu por conduta desordeira Gates, que, após voltar de viagem, não conseguiu abrir a sua própria casa na cidade de Cambridge, onde leciona na conceituada Universidade Harvard; Obama comentou o assunto em sua mais recente entrevista coletiva, na semana passada, chamando a ação policial de "estúpida".
A intromissão executiva e a qualidade dos atores do incidente -Gates é um respeitado estudioso de raças; Crowley dá cursos antirracismo a seus colegas- foi o suficiente para reacender com vigor o debate racial de um país que, supostamente, tinha virado "pós-racial" desde a eleição de seu primeiro presidente negro.
Ativistas negros reafirmaram o que chamam de tendência de discriminação racial da polícia. Comentaristas conservadores passaram a chamar o presidente abertamente de racista pela primeira vez desde a posse. Analistas progressistas registraram que, na esteira do incidente, renasceu com força o movimento dos que defendem que Obama na verdade nem seria americano.
São os chamados "nascimentistas" ("birthers", no original), que apontam para a inexistência da certidão original de nascimento de Obama como prova de que ele não seria natural dos EUA e, portanto, não poderia exercer a Presidência. Desde o episódio Gates-Crowley, 11 representantes (deputados federais) correram a copatrocinar a chamada "Birther Bill".
É com esse pano de fundo que nasceu a "cúpula da cerveja", um convite feito pelo presidente para que o professor e o policial se encontrassem na Casa Branca e superassem o ocorrido. "O termo é inteligente, mas isso não é uma cúpula", afirmou ontem Obama, que se disse "fascinado com a fascinação em torno dessa noite".
Tratava-se apenas, disse, de "três caras" [na verdade quatro; Biden foi convidado de última hora] "bebendo algo ao fim do dia" e dando chance "de ouvir uns aos outros". O objetivo, afirmou, era baixar a temperatura de um evento "que se tornou tão simbólico", reduzir a raiva e promover a reflexão.
O esforço pode ter sido em vão. Instados pelo instituto Pew a opinar sobre o episódio na última semana, 41% dos ouvidos acham que Obama lidou mal com a questão da prisão de Gates, ante apenas 29% que defendem a atitude do presidente. Além disso, a mulher que fez a ligação que deu origem à ocorrência reclamou de não ter sido convidada ao encontro, no que seu advogado sugeriu ser preconceito sexual de Obama.
Manifestantes abstêmios em frente à Casa Branca protestavam pelo encontro ter sido regado a álcool. E fabricantes de cerveja locais chiaram por Obama ter escolhido beber uma Bud Light, hoje da multinacional belgo-brasileira Inbev (Biden preferiu a holandesa Buckler; Gates foi de Sam Adams Light, americana; Crowley tomou a canadense Blue Moon).


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