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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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Em livro a ser lançado, professor de Harvard adverte que a droga contra a impotência pode piorar os problemas sexuais e amorosos dos pacientes que vivem crises mais complexas de relacionamento

O Mito Viagra

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

O Viagra, a pílula contra a impotência que, lançada há cinco anos, erigiu-se em mito da eterna juventude sexual masculina, pode causar mais problemas do que trazer soluções para os relacionamentos entre homens e mulheres.
O alerta é feito pelo urologista Abraham Morgentaler, professor da Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA) e autor do livro "The Viagra Myth: The Surprising Impact On Love And Relationships" (o mito Viagra: o impacto surpreendente no amor e nos relacionamentos), que chegará às livrarias dos EUA em setembro (edit. Jossey-Bass, 256 págs.).
"Com frequência, quando um casal tem problemas, o homem tende a buscar o que chamamos de "quick fix", ou seja, uma solução rápida e fácil", disse Morgentaler, 47, em entrevista à Folha por telefone, de Boston.
"O Viagra funciona bem em algumas circunstâncias, mas em outras não. E, portanto, pode decepcionar, dificultando ainda mais as coisas", afirma.
Segundo ele, muitos homens apelam para a pílula com a expectativa de que ela resolverá todos os seus problemas sexuais/amorosos, quando, na realidade, precisariam olhar para dentro de si próprios e para suas parceiras.
Desde que chegou ao mercado, em 1998, o Viagra se tornou um dos medicamentos mais vendidos no mundo. Foi a primeira droga contra a impotência disponível em forma de comprimido e com resultado quase instantâneo.
A droga age aumentando o fluxo de sangue para o pênis, possibilitando assim uma melhor ereção. Nove comprimidos são vendidos a cada segundo no mundo, e mais de 20 milhões de homens já experimentaram Viagra.
Apesar de alertar para a construção de uma lenda em torno do Viagra que vai muito além de suas propriedades e capacidades farmacológicas, o prof. Morgentaler acredita que a droga "abriu uma janela" para melhor compreender a sexualidade masculina.
"Antes, apenas 5% dos homens com problemas sexuais admitiam isso e buscavam um médico. Agora, fala-se sobre o tema como nunca se falou anteriormente."
 

Folha - Qual é a idéia central do livro "O Mito Viagra"?
Abraham Morgentaler -
A idéia principal é mostrar que há implicações sociais e emocionais nas relações amorosas e sexuais para as quais prestamos pouca atenção desde que surgiu o Viagra há cerca de cinco anos. O homem e a mulher têm visões muito diferentes do que é importante numa relação e no sexo. Com frequência, quando um casal tem problemas, o homem, especialmente aqui nos EUA, tende a buscar o que chamamos de "quick fix", ou seja, uma solução rápida e fácil. O Viagra funciona bem em algumas circunstâncias, mas em outras não. E, portanto, pode decepcionar, dificultando ainda mais as coisas.

Folha - Dê um exemplo.
Morgentaler -
O Viagra não resolve problemas complexos de relacionamento. Um homem e uma mulher jovens estão sempre brigando, e o sexo não é bom. Ele vem me consultar e pede Viagra. Volta para casa, toma a pílula e tenta fazer sexo. Mas a mulher continua chateada com ele, acha que ele está muito ocupado com o trabalho, que não presta atenção a ela. O sexo não vai fazer com que a mágoa dela desapareça, mas ele acha que sim. O resultado provavelmente será decepcionante porque o casal não está enfrentando exatamente seus problemas.

Folha - Sim, esse exemplo faz todo o sentido, mas o sr. diz que o Viagra não só não soluciona todos as dificuldades como às vezes cria novos problemas ou os agrava. Como assim?
Morgentaler -
O Viagra certamente pode causar problemas. Muitos homens, especialmente mais jovens, tomam a pílula porque querem ser verdadeiros garanhões, acham que o Viagra lhes dará uma vantagem. Mas estão enganando a si próprios. É como se ser como eles realmente são não fosse suficiente.
Conheço um homem que tomava Viagra toda vez que fazia sexo. Transou com muitas mulheres, fez muito sucesso. Mas, um dia, se apaixonou por uma mulher, os dois se envolveram, mas ele não havia contado que tomava Viagra e manteve o segredo. Quando ela descobriu, ficou furiosa. "Pensei que você se sentisse atraído por mim. Como posso saber que não é apenas o Viagra?", disse.
Quando a mulher descobre que o homem usa Viagra sem ela saber, pode ser um desastre. Sexo é algo muito íntimo, e, numa situação dessas, elas dizem algo como: "No momento em que estou mais perto de você, você não está sendo honesto comigo. Por que devo confiar em você? Quem é você?".
Também o homem, em alguns casos, começa a duvidar se a mulher está se sentindo satisfeita pelo sexo que ele faz ou se é por causa do Viagra. Afinal, quando o homem se apaixona, ele quer que a mulher goste dele como ele realmente é. As pessoas se enrolam com esse tipo de problema. A melhor coisa é dizer para a parceira: "Estou tomando Viagra e decidi fazer isso por esse motivo". A reação, em geral, é boa.

Folha - Não é uma bobagem uma mulher ficar brava porque o homem está tomando Viagra?
Morgentaler -
Não importa se eu ou você achamos uma bobagem, o fato é que, em certas situações, elas ficam. Homens e mulheres têm muitos problemas em compreender um ao outro.
Os homens se sentem bem se têm uma boa ereção, se ela dura bastante, se ele dá prazer à mulher. Já as mulheres não entendem por que os homens se preocupam tanto com a performance. Elas querem ter um sexo eficiente, mas também se importam com a afeição, o toque, a intimidade, as emoções. Então, muitas vezes o homem está pensando em uma coisa, e a mulher está querendo outra. Então, o homem toma Viagra, e o pênis pode até funcionar. Mas, se não há um encontro entre os desejos dos dois, só um pênis ereto não resolverá.

Folha - Em que situações o Viagra pode ser muito útil?
Morgentaler -
Se temos um casal que está casado há bastante tempo, com uma história de amor e de bom sexo, mas, de forma gradual e progressiva, a ereção do homem começa a piorar devido à idade ou a algum problema de saúde, é provável que o Viagra faça o casal muito feliz.
Mas também há exemplos de casais mais velhos que já não fazem mais sexo e, quando o homem decide tomar Viagra, a mulher não gosta. Algumas mulheres, de mais idade, não querem mais sexo. Conheço homens que tomaram Viagra, decidiram que eram jovens novamente e largaram seus casamentos.

Folha - Imaginemos um casal que, por dificuldades de relacionamento, não está conseguindo ter uma boa relação sexual, mas quer melhorar. O Viagra pode servir como uma espécie de clique?
Morgentaler -
Se o problema de ereção é repentino ou recente, ou vai e vem, é mais provável que a origem seja algum problema emocional ou de relação. Uma boa conversa pode ajudar muito e é absolutamente necessária. Mas, às vezes, numa situação assim, receitamos Viagra temporariamente. Dizemos: "Use um pouco, sua confiança vai voltar e tudo ficará bem". O Viagra pode dar esse clique, uma espécie de impulso. O homem fica menos preocupado, relaxa e, quando as coisas melhoram, não precisa mais dele.

Folha - É grande o número de receitas de Viagra não renovadas?
Morgentaler -
Menos da metade dos homens que experimenta Viagra continua a usá-lo. Alguns percebem que não é a resposta para seus problemas. Às vezes, o homem toma a pílula para ficar com o pênis ereto, mas percebe que continua a não gostar de sua mulher ou que ela é que não gosta dele. Outros não gostam da idéia de tomar uma pílula para fazer sexo, querem que seja algo natural e espontâneo. O Viagra exige um certo planejamento. Alguns homens ou casais não gostam disso.

Folha - Por que o sr. diz que o Viagra jogou uma luz sobre a sexualidade, em especial a masculina?
Morgentaler -
Pela primeira vez, temos uma pílula que o homem pode tomar e que melhora significativamente sua ereção. Antes, os homens se gabavam quando o pênis funcionava, mas, quando não funcionava, porque eles estavam velhos ou doentes, apenas percebíamos sua tristeza. Antes do Viagra, apenas 5% dos homens com problemas sexuais admitiam isso e buscavam um médico.
Agora, como existe uma pílula que devolve a eles a possibilidade de ter uma ereção em menos de uma hora, fala-se sobre o tema como nunca se falou. Há uma quantidade enorme de homens discutindo abertamente seus problemas. Assim, podemos perceber o que acontece dentro deles. O Viagra abriu uma janela para que possamos olhar no cérebro de um homem e descobrir exatamente o que ele pensa sobre sexo, o que acontece quando seu pênis funciona e quando não funciona e o que isso significa para ele.

Folha - Mas ainda assim há muita desinformação?
Morgentaler -
Sim. O que tento mostrar no livro é que os homens sabem que existe uma pílula que pode fazer o pênis deles mais ereto. Mas o que eles não analisam é o que significa ter um pênis ereto ou não tê-lo, quais são as razões que podem levar isso a acontecer, o que suas emoções e relações têm a ver com isso ou são afetadas por isso. O livro tenta mostrar quando e de que maneira o Viagra pode ajudar e quando não é a melhor resposta.
O Viagra trouxe um grande avanço. Qualquer homem que tem problemas sexuais deveria ficar contente de viver no tempo do Viagra ou dos medicamentos similares. Mas o problema é que nós, como indivíduos e como sociedade, muitas vezes apelamos para uma pílula com a expectativa de que ela resolverá todos os nossos problemas, quando precisamos olhar para dentro de nós mesmos e para nossas parceiras.


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