São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

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Aliança com igrejas desapontou base social sandinista

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MASAYA

O acordo entre a FSLN e o ex-presidente Arnoldo Alemán não foi a única reviravolta considerável que Daniel Ortega empreendeu em seu governo.
Para um líder que no passado servia de face pública a um movimento revolucionário que prometia igualdade entre os sexos, poucos dos adeptos originais do sandinismo teriam imaginado ver Ortega e a FSLN em aliança com a Igreja Católica e as igrejas evangélicas na posição de mais estridentes defensores públicos da lei nicaragüense de aborto, uma das mais restritivas do mundo.
Promulgada em 2006, com apoio legislativo da FSLN, a lei proíbe completamente o aborto, mesmo em caso de estupro, incesto ou risco de vida durante a gestação -direitos de que as nicaragüenses desfrutaram por mais de cem anos. Qualquer profissional de saúde que ajude uma mulher a realizar um aborto pode ser sentenciado a até 14 anos de prisão.
A decisão fez com que muitos dos antigos partidários do sandinismo se sentissem traídos. "A revolução sandinista tinha um pacto político e social com as mulheres, e isso representa uma traição às mulheres e ao antigo programa da FSLN", diz Sofia Montenegro, líder feminista e ex-editora do "Barricada", jornal oficial dos sandinistas no período pós-Somoza.
"As mulheres se envolveram não só porque se opunham à ditadura, mas porque a revolução oferecia a emancipação feminina e o fim da discriminação contra elas", afirma Montenegro. "A proposta era a de que as mulheres fossem plenamente integradas à sociedade. O fato de que eles tenham revogado um direito há tanto estabelecido é inacreditável e absurdo."
A despeito de políticas como essas, Ortega, que costuma classificar seus adversários como "traidores" a soldo dos EUA, fez alianças com dois dos mais estridentes líderes latino-americanos -os presidentes Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador).
Depois da morte, em março, de Manuel Marulanda, líder máximo das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Ortega o saudou como "irmão" no Foro de São Paulo, uma conferência de partidos de esquerda. As Farc são classificadas como terroristas pelos EUA e pela União Européia.

Apoios que restam
O governo de Ortega continua ainda assim a ter seus partidários, ainda que seja cada vez mais difícil encontrá-los.
"A FSLN é o único partido que compreende as necessidades do povo", diz Benito Vilchéz, 47, administrador da Associação Histórica dos Combatentes e Colaboradores, em León, norte da Nicarágua. Como o museu de Masaya, o dele abriga uma coleção de fotografias, recortes amarelados de jornal e bandeiras políticas comemorando a luta contra o regime de Somoza, ainda que com um viés escancaradamente favorável aos sandinistas.
"Nos 16 anos de governo neoliberal, eles nada fizeram para nos ajudar", disse Vilchéz. "Este é claramente um governo que trabalha pelos pobres."
Talvez mais irritante para Ortega do que os seus críticos na sociedade civil sejam os nascentes movimentos de dissidência na FSLN, exemplificados pelo Movimento de Renovação Sandinista, que começou a se expressar de forma autônoma sob o comando de Herty Lewites, prefeito de Manágua, que se candidatou à Presidência contra Ortega em 2006.
Por essa transgressão, Lewites, que ocupava um forte terceiro oposto nas pesquisas de opinião pública, foi expulso da FSLN. Ele morreu, aparentemente de ataque cardíaco, pouco antes da eleição.
"Há uma diferença drástica entre a FSLN atual e a dos anos 80. A única coisa em comum é o nome", disse o deputado e presidente do MRS, Enrico Sáenz. "A corrupção tem grande participação no projeto (atual). Há uma retórica de ajuda aos pobres, mas a verdade é que há um pequeno grupinho enriquecendo." (MD)


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