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Aliança com igrejas desapontou base social sandinista
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM MASAYA
O acordo entre a FSLN e o ex-presidente Arnoldo Alemán
não foi a única reviravolta considerável que Daniel Ortega
empreendeu em seu governo.
Para um líder que no passado
servia de face pública a um movimento revolucionário que
prometia igualdade entre os sexos, poucos dos adeptos originais do sandinismo teriam imaginado ver Ortega e a FSLN em
aliança com a Igreja Católica e
as igrejas evangélicas na posição de mais estridentes defensores públicos da lei nicaragüense de aborto, uma das mais
restritivas do mundo.
Promulgada em 2006, com
apoio legislativo da FSLN, a lei
proíbe completamente o aborto, mesmo em caso de estupro,
incesto ou risco de vida durante
a gestação -direitos de que as
nicaragüenses desfrutaram por
mais de cem anos. Qualquer
profissional de saúde que ajude
uma mulher a realizar um
aborto pode ser sentenciado a
até 14 anos de prisão.
A decisão fez com que muitos
dos antigos partidários do sandinismo se sentissem traídos.
"A revolução sandinista tinha
um pacto político e social com
as mulheres, e isso representa
uma traição às mulheres e ao
antigo programa da FSLN", diz
Sofia Montenegro, líder feminista e ex-editora do "Barricada", jornal oficial dos sandinistas no período pós-Somoza.
"As mulheres se envolveram
não só porque se opunham à ditadura, mas porque a revolução
oferecia a emancipação feminina e o fim da discriminação
contra elas", afirma Montenegro. "A proposta era a de que as
mulheres fossem plenamente
integradas à sociedade. O fato
de que eles tenham revogado
um direito há tanto estabelecido é inacreditável e absurdo."
A despeito de políticas como
essas, Ortega, que costuma
classificar seus adversários como "traidores" a soldo dos
EUA, fez alianças com dois dos
mais estridentes líderes latino-americanos -os presidentes
Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador).
Depois da morte, em março,
de Manuel Marulanda, líder
máximo das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Ortega o saudou como
"irmão" no Foro de São Paulo,
uma conferência de partidos de
esquerda. As Farc são classificadas como terroristas pelos
EUA e pela União Européia.
Apoios que restam
O governo de Ortega continua ainda assim a ter seus partidários, ainda que seja cada vez
mais difícil encontrá-los.
"A FSLN é o único partido
que compreende as necessidades do povo", diz Benito Vilchéz, 47, administrador da Associação Histórica dos Combatentes e Colaboradores, em
León, norte da Nicarágua. Como o museu de Masaya, o dele
abriga uma coleção de fotografias, recortes amarelados de
jornal e bandeiras políticas comemorando a luta contra o regime de Somoza, ainda que
com um viés escancaradamente favorável aos sandinistas.
"Nos 16 anos de governo neoliberal, eles nada fizeram para
nos ajudar", disse Vilchéz. "Este é claramente um governo
que trabalha pelos pobres."
Talvez mais irritante para
Ortega do que os seus críticos
na sociedade civil sejam os nascentes movimentos de dissidência na FSLN, exemplificados pelo Movimento de Renovação Sandinista, que começou
a se expressar de forma autônoma sob o comando de Herty Lewites, prefeito de Manágua,
que se candidatou à Presidência contra Ortega em 2006.
Por essa transgressão, Lewites, que ocupava um forte terceiro oposto nas pesquisas de
opinião pública, foi expulso da
FSLN. Ele morreu, aparentemente de ataque cardíaco, pouco antes da eleição.
"Há uma diferença drástica
entre a FSLN atual e a dos anos
80. A única coisa em comum é o
nome", disse o deputado e presidente do MRS, Enrico Sáenz.
"A corrupção tem grande participação no projeto (atual). Há
uma retórica de ajuda aos pobres, mas a verdade é que há
um pequeno grupinho enriquecendo."
(MD)
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