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TIMOR LESTE
Após cinco séculos de colonialismo português, socialismo servia de modelo para líderes timorenses
Guerra Fria justificou invasão indonésia
RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília
A ex-colônia portuguesa de Timor Leste é um exemplo acabado
de como o clima da Guerra Fria
transformou o que poderia ser
um tranquilo processo de descolonização em um campo de batalha fratricida.
A política de descolonização
promovida por Portugal depois
da Revolução dos Cravos, em
abril de 74, coincide com a derrota dos Estados Unidos no Vietnã.
Um tento de simbolismo sem
igual para o lado dos "combatentes das democracias populares e
do socialismo" contra o "imperialismo ianque". Uma derrota que
precisava ser devolvida pelos "defensores das liberdades individuais e da democracia ocidental".
Humilhados no Vietnã, em 75,
os EUA ancoraram na descolonização portuguesa a política de
guerrilha com a União Soviética
de contenção do que chamavam
de ""avanço do comunismo".
Quando não fazia o serviço diretamente, Washington mobilizava os aliados: a Indonésia é para
Timor Leste o que a África do Sul
foi para Angola.
Do outro lado, fortemente influenciados pelas idéias marxistas
e historicamente apoiados pela
União Soviética, os líderes dos
movimentos de libertação das ex-colônias portuguesas propunham
independências nos moldes dos
países do Leste da Europa, as chamadas "repúblicas democráticas
populares".
O figurino era: poder centralizado, ausência de liberdades individuais e partido único.
Depois de cinco séculos de colonialismo, o socialismo funcionava
como redentor da dignidade em
sociedades de carências coletivas
tão elementares (saúde, educação, habitação) que a liberdade
individual era vista como um supérfluo.
Em Timor, na década de 70, a
história da descolonização começou dramática e tornou-se trágica
por conta da vizinha Indonésia.
A ditadura militar de Suharto, já
fustigada por ações separatistas
(Aceh, Irian Jaya, Molucas), enxergou na independência de Timor Leste um estímulo extra a esses movimentos.
A linguagem marxista da primeira geração de líderes timorenses mobilizava também os instintos visceralmente anticomunistas
do regime indonésio.
Divisão promovida
O processo primário de intervenção nos cenários de descolonização repetiu-se em Timor:
apoiar um ou dois grupos políticos de oposição às associações
históricas de defesa da independência e da luta anticolonial.
Em Timor, contra a ASDT (Associação Socialdemocrática de Timor Leste), que defendia a independência, nasceram a UDT
(União Democrática Timorense),
adepta de uma "federação" com
Portugal, e a Apodeti (Associação
Popular Democrática Timorense), a favor da integração à Indonésia.
A crise política da Revolução
dos Cravos absorveu tanto a atenção dos líderes portugueses que a
descolonização se transformou
em um atabalhoado processo de
negociações. No caso de Timor,
Portugal simplesmente abandonou o território.
A UDT tentou assumir o controle da ilha e a ASDT radicalizou
o discurso -transformou-se na
Fretilin (Frente Revolucionária de
Timor Leste Independente). Com
o destino indefinido, os timorenses se envolvem numa guerra civil
de três semanas (20 de agosto a 16
de setembro de 75) que deixou
500 mortos e 3.000 feridos, segundo a Cruz Vermelha.
A Fretilin, sob o comando de
Nicolau Lobato, proclama a independência no dia 28 de novembro. Durou nove dias. No dia 7 de
dezembro, a Indonésia invade Timor, decisão tomada depois de
um encontro de Suharto com o
então presidente dos EUA, Gerald
Ford. A anexação vem no ano seguinte.
"Foi a comunhão de vontades
americana e indonésia, no temor
internacional de que aquele chão
também se tornasse socialista",
resumiria, em 85, o ex-presidente
brasileiro José Sarney ao falar na
ONU sobre o assunto.
Xanana Gusmão
Do final dos anos 70 para cá,
mudou o mundo e mudaram os
líderes da causa timorense.
A retórica marxista deu lugar a
um discurso de unidade nacional
e a um programa de reconstrução
que fala em "economia de mercado, moderna e auto-sustentável",
e em relações com o FMI (Fundo
Monetário Internacional).
A anistia geral e irrestrita também está no ideário do país que,
provavelmente, deve vir a se chamar Timor Lorasae (Timor do Sol
Nascente).
José Alexandre "Xanana" Gusmão, 53, um ex-seminarista colega de dom Ximenes Belo, bispo de
Dili e prêmio Nobel da Paz em 96
com o diplomata José Ramos-Horta, sucedeu a Lobato, morto
em dezembro de 78.
Nesse contexto, cada vez mais
político e menos bélico, a independência de Timor vira a causa
de antigos rivais, como a UDT, e
do maior de todos os aliados, a
Igreja Católica.
Juntos, formaram o CNRT
(Conselho Nacional da Resistência Timorense), que, nas urnas,
tenta garantir finalmente a independência do território que os
portugueses começaram a colonizar no século 16 e onde a Indonésia, em 24 anos de domínio militar, teria matado, de acordo com
estimativas de grupos de defesa
de direitos humanos, entre 100
mil e 200 mil habitantes numa população de 800 mil.
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