São Paulo, Terça-feira, 31 de Agosto de 1999
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TIMOR LESTE
Após cinco séculos de colonialismo português, socialismo servia de modelo para líderes timorenses
Guerra Fria justificou invasão indonésia

RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília

A ex-colônia portuguesa de Timor Leste é um exemplo acabado de como o clima da Guerra Fria transformou o que poderia ser um tranquilo processo de descolonização em um campo de batalha fratricida.
A política de descolonização promovida por Portugal depois da Revolução dos Cravos, em abril de 74, coincide com a derrota dos Estados Unidos no Vietnã.
Um tento de simbolismo sem igual para o lado dos "combatentes das democracias populares e do socialismo" contra o "imperialismo ianque". Uma derrota que precisava ser devolvida pelos "defensores das liberdades individuais e da democracia ocidental".
Humilhados no Vietnã, em 75, os EUA ancoraram na descolonização portuguesa a política de guerrilha com a União Soviética de contenção do que chamavam de ""avanço do comunismo".
Quando não fazia o serviço diretamente, Washington mobilizava os aliados: a Indonésia é para Timor Leste o que a África do Sul foi para Angola.
Do outro lado, fortemente influenciados pelas idéias marxistas e historicamente apoiados pela União Soviética, os líderes dos movimentos de libertação das ex-colônias portuguesas propunham independências nos moldes dos países do Leste da Europa, as chamadas "repúblicas democráticas populares".
O figurino era: poder centralizado, ausência de liberdades individuais e partido único.
Depois de cinco séculos de colonialismo, o socialismo funcionava como redentor da dignidade em sociedades de carências coletivas tão elementares (saúde, educação, habitação) que a liberdade individual era vista como um supérfluo.
Em Timor, na década de 70, a história da descolonização começou dramática e tornou-se trágica por conta da vizinha Indonésia.
A ditadura militar de Suharto, já fustigada por ações separatistas (Aceh, Irian Jaya, Molucas), enxergou na independência de Timor Leste um estímulo extra a esses movimentos.
A linguagem marxista da primeira geração de líderes timorenses mobilizava também os instintos visceralmente anticomunistas do regime indonésio.

Divisão promovida
O processo primário de intervenção nos cenários de descolonização repetiu-se em Timor: apoiar um ou dois grupos políticos de oposição às associações históricas de defesa da independência e da luta anticolonial.
Em Timor, contra a ASDT (Associação Socialdemocrática de Timor Leste), que defendia a independência, nasceram a UDT (União Democrática Timorense), adepta de uma "federação" com Portugal, e a Apodeti (Associação Popular Democrática Timorense), a favor da integração à Indonésia.
A crise política da Revolução dos Cravos absorveu tanto a atenção dos líderes portugueses que a descolonização se transformou em um atabalhoado processo de negociações. No caso de Timor, Portugal simplesmente abandonou o território.
A UDT tentou assumir o controle da ilha e a ASDT radicalizou o discurso -transformou-se na Fretilin (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente). Com o destino indefinido, os timorenses se envolvem numa guerra civil de três semanas (20 de agosto a 16 de setembro de 75) que deixou 500 mortos e 3.000 feridos, segundo a Cruz Vermelha.
A Fretilin, sob o comando de Nicolau Lobato, proclama a independência no dia 28 de novembro. Durou nove dias. No dia 7 de dezembro, a Indonésia invade Timor, decisão tomada depois de um encontro de Suharto com o então presidente dos EUA, Gerald Ford. A anexação vem no ano seguinte.
"Foi a comunhão de vontades americana e indonésia, no temor internacional de que aquele chão também se tornasse socialista", resumiria, em 85, o ex-presidente brasileiro José Sarney ao falar na ONU sobre o assunto.

Xanana Gusmão
Do final dos anos 70 para cá, mudou o mundo e mudaram os líderes da causa timorense.
A retórica marxista deu lugar a um discurso de unidade nacional e a um programa de reconstrução que fala em "economia de mercado, moderna e auto-sustentável", e em relações com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
A anistia geral e irrestrita também está no ideário do país que, provavelmente, deve vir a se chamar Timor Lorasae (Timor do Sol Nascente).
José Alexandre "Xanana" Gusmão, 53, um ex-seminarista colega de dom Ximenes Belo, bispo de Dili e prêmio Nobel da Paz em 96 com o diplomata José Ramos-Horta, sucedeu a Lobato, morto em dezembro de 78.
Nesse contexto, cada vez mais político e menos bélico, a independência de Timor vira a causa de antigos rivais, como a UDT, e do maior de todos os aliados, a Igreja Católica.
Juntos, formaram o CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense), que, nas urnas, tenta garantir finalmente a independência do território que os portugueses começaram a colonizar no século 16 e onde a Indonésia, em 24 anos de domínio militar, teria matado, de acordo com estimativas de grupos de defesa de direitos humanos, entre 100 mil e 200 mil habitantes numa população de 800 mil.


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