São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2010

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Plástica no "nariz andino" faz sucesso entre bolivianos

Campanha "contra deformidades" no rosto seduz país com descontos que chegam a 50% no procedimento

Cirurgia é a nº 1 no país, onde muitos se miram nos padrões ocidentais e ignoram discurso oficial do orgulho indígena

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

Soledad Sánchez começou há duas semanas a trabalhar como secretária de uma agência de viagens em La Paz. Aos 27, ela comemora seu primeiro trabalho fixo e não titubeia ao atribuir a conquista a seu novo nariz.
Ela se submeteu há pouco menos de dois meses a uma rinoplastia, o nome técnico da cirurgia plástica que modificou o que lhe incomodava a ponto de ela evitar anexar fotos em seu currículo.
"Eu tinha o "nariz andino", um ossinho alto. Não combinava com meu rosto", diz ela, que escolheu um nome fictício para falar com a reportagem, por telefone, de La Paz.
A história de Soledad, que se diz de origem aimará, é um indício de que a Bolívia do orgulho indígena e da lei antirracismo promovida pelo presidente Evo Morales convive com um país onde parte da população ainda prefere se mirar no espelho dos padrões estéticos ocidentais.
Na Bolívia, 62% da população se declara de origem indígena -um número de autoatribuição que aumentou ao longo do tempo-, e a rinoplastia é a cirurgia número 1, segundo médicos ouvidos pela Folha.
A estatística destoa da tendência mundial. Segundo pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica divulgada em agosto, a cirurgia de nariz aparece em quarto lugar na preferência do público ao redor do mundo.
"A rinoplastia é a primeira em preferência, tanto para homens como para mulheres", diz o cirurgião de Soledad, Jorge Augusto Valdivia.
E um motivo, afirma ele, é que uma das características das etnias aimará e quéchua é justamente o formato aquilino -como de águia- do nariz, não raro com um osso ressaltado.

DESCONTOS E PANFLETOS
Valdivia conta que a procura de gente com menos poder aquisitivo pela cirurgia fez sua clínica mexer na estrutura de preços.
"Muitos jovens pedem a cirurgia de presente de aniversário. E não é apenas por vaidade, mas pelo mercado de trabalho", afirma.
"Na Bolívia, ainda é comum se pedir nos jornais "boa aparência" em anúncios de secretária, imaginando uma funcionária americana, nos padrões anglo-saxões."
Luis Burgos, considerado o "cirurgião das misses" de Santa Cruz, no leste da Bolívia, diz que não raro recebe pacientes para consertar rinoplastias mal sucedidas, em geral feitas em clínicas estéticas, sem o devido procedimento.
"Desde cedo, as pessoas veem os padrões dos filmes. Elas sabem o que é feio e o que é bonito", lança Burgos.
Há até panfletagem na rua para divulgar as cirurgias. E, na programação da madrugada da TV, apareciam, em 2009, propaganda de "corretores nasais", ou o "nariz novo sem cirurgia" com próteses de plástico consideradas ineficazes e até perigosas pelos médicos.
A clínica Santa María, em La Paz, faz há sete anos a chamada "campanha contra deformidades do nariz" -tanto as funcionais como as estéticas.
Richard Herrera, médico da clínica, explica que os candidatos passam por uma triagem e, de acordo com a renda, podem pagar até menos de 50% do valor da operação.
Soledad pagou o equivalente a R$ 1.190, próximo ao preço regular no país. Mas nas clínicas estéticas, o procedimento pode sair "quase de graça", por cerca de R$ 85.
"Não tem nada a ver com racismo ou estar contra os povos originários", diz Herrera, comentando a polêmica recente pela lei antirracismo aprovada por Morales.
"Não se trata de mudar de raça. É uma questão da autoestima do paciente."


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