São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 2011

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ENTREVISTA DA 2ª

PEDRO PASSOS COELHO

EUA não colaboram como devem contra a crise na Europa

PARA O PREMIÊ DE PORTUGAL, BRASIL TAMBÉM PODE CONTRIBUIR; SAÍDA DA ZONA DO EURO ESTÁ 'ABSOLUTAMENTE' FORA DE QUESTÃO, DIZ ELE

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, cobra dos EUA uma "contribuição maior que a da Europa" para o fim da crise internacional e propõe que o Brasil também participe com recursos via FMI ou fundo de salvamento da Grécia.
Essas questões estarão em pauta na reunião do G20 (maiores economias do mundo) em Cannes, a partir da quinta-feira desta semana.
Em entrevista à Folha em Brasília, na sexta, ele disse que a contribuição do governo Barack Obama está bem aquém do esperado e cobrou ajuda do Brasil ao pacote europeu para a Grécia.
A partir da experiência de Portugal, fez uma advertência: "Se o Brasil aumentar a despesa pública além daquilo que puder sustentar no futuro, agora estará bem, mas daqui a dez anos estará mal".
Leia os principais trechos:

 

Folha - Até que ponto a crise vai atingir o Brasil?
Pedro Passos Coelho - Há um arrefecimento da demanda global, e a crise funciona como moderador para países que passam por um processo de crescimento mais intenso, como Brasil, Índia e Rússia. Vão crescer menos neste e no próximo ano. A Europa faz a sua parte, mas todos, portanto, temos de apostar em soluções para a crise e um crescimento global sustentável.

Os emergentes, em particular o Brasil, devem entrar efetivamente com recursos?
Os emergentes podem ajudar de múltiplas maneiras. Em primeiro lugar, se abrirem ainda mais suas economias. É muito importante que os grandes tratados entre Mercosul e Europa, por exemplo, propiciem maiores ganhos significativos para os dois lados, com menos protecionismo, mais abertura.
De outro lado, é preciso gastar mais com as economias que estão com mais dificuldade. Países como o Brasil podem dar uma ajuda muito importante, seja pelo FMI, seja pelo fundo europeu, que será alavancado também por fundos privados para os quais o Brasil pode contribuir. Será certamente tratado pelo G20 em Cannes.

O calote de 50% na dívida grega é suficiente?
O FMI diz que sim, com a ajuda europeia e, claro, com medidas internas de austeridade. O relatório do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia aponta para uma redução significativa da dívida grega até 2020.
Se nada fosse feito, ela iria para 180%, e a incerteza quanto à capacidade da Grécia de ter uma dívida sustentável é o que mina a confiança na Europa e a possibilidade de países que não têm problemas tão graves cumprirem seus compromissos.

Caso de Portugal?
De Portugal e da Irlanda, que cumprem duros programas de ajuste para obter nos mercados externos confiança suficiente para sair da situação em que estão.

Se não funcionar?
Os sacrifícios terão de ser ainda maiores.

Há risco de alguns países serem obrigados a sair da UE?
Absolutamente fora de questão. O euro passa por uma fase ruim, mas vai ultrapassá-la. O mundo precisa compreender que a decisão tomada agora [o calote grego] foi em defesa do euro e das economias da zona do euro.

A ajuda aos países em situação frágil não cria dificuldades políticas internas para Merkel e Sarkozy?
Não adianta enfiarmos a cabeça na areia, como avestruz. É claro que há problemas políticos que, aliás, têm dificultado e adiado a adoção das medidas necessárias.
Mas esses constrangimentos que alemães, franceses, holandeses, finlandeses e os países bálticos sentem, até porque têm feito ajustes difíceis nestes últimos 15 anos, não impedem um esforço de solidariedade.

Que Europa surge dessa crise?
Mais forte ainda, porque o euro está no coração do projeto europeu.

A Suécia, que não aderiu ao euro, é uma ilha de tranquilidade na crise?
Temos muito o que aprender com a Suécia, mas também com a Finlândia, que é da zona do euro. Ambas passaram por um forte programa de ajustes nos últimos 10, 15 anos. Um processo de aprendizagem por antecipação.

Há uma guinada ultraneoliberal na Europa?
Acho que não. O que está em discussão não é se o Estado deve ou não intervir na economia, é saber qual é o grau em que esse intervencionismo deve ocorrer.
O intervencionismo excessivo no passado recente nos conduziu a um grau de despesa exagerado, com pouco retorno da economia. Não precisamos de um Estado que endosse dívidas que os cidadãos, no futuro, não possam pagar. Se temos dívidas a mais, temos de fazer ajustes. Isso vale para Portugal.

O sr. discorda de Dilma, para quem combater a crise com arrocho só produz mais recessão? Portugal, por exemplo, prevê retração de 1,9% neste ano e de 2,8% em 2012.
Portugal também já passou pela expansão, aumentando o crédito e as políticas públicas. Mas ela não foi sustentável e criou um custo fixo demasiadamente elevado para toda a economia. Quando o crescimento começou a abrandar, o custo ficou lá.
Se o Brasil crescer, do ponto de vista da despesa pública, além daquilo que puder sustentar no futuro, agora estará bem, mas daqui a dez anos estará mal.

Por que, em Portugal, os servidores são os que mais pagam a conta da crise?
Reconheço que os funcionários públicos têm pago um preço muito alto, quase 14% dos seus rendimentos nos próximos três anos, mas o setor privado também dá sua cota. O nível de desemprego é de 12% e deve atingir 13,5% no próximo ano, enquanto os funcionários públicos têm estabilidade de emprego.

Falta consenso em Portugal quanto aos ajustes, já que o próprio presidente Cavaco e Silva considerou "um erro" o arrocho dos funcionários?
Não quero alimentar nenhuma polêmica com o presidente da República. O questionamento dele é se há equidade nos ajustes, e nós temos tentado obter isso. No próximo ano, serão tomadas várias medidas sociais para proteger os mais desvalidos.

Foi convocada manifestação para o dia 12, e centrais sindicais articulam uma greve para o final do mês. Portugal pode virar uma nova Grécia?
Tenho confiança de que não. Portugal sabe que não pode repetir aquilo que vemos pela TV em Atenas. As pessoas não estão satisfeitas, é evidente, e vai haver greves e manifestações, mas sabem que não há alternativa.
E falo isso à vontade, porque meu partido não está no governo há anos. Portanto, não temos de dizer: "Erramos e os senhores vão ter de pagar". O importante é que os sacrifícios sejam de todos.

Inclusive dos bancos?
O problema é o sistema financeiro, que em Portugal, como no resto do mundo, faz menos sacrifícios do que o necessário. Até por isso o G20 vai ser importante, com a criação de regras na escala mundial para a área financeira dar maior contribuição.

E a crise de confiança?
Em economia, a palavra "confiança" é de extrema relevância. O mundo vai crescer menos, mas não porque há menos dinheiro, e sim porque os investidores estão céticos. Há muita poupança no mundo que precisa voltar ao trilho do investimento.

Qual a responsabilidade dos EUA nisso?
A economia americana cresce menos que o seu potencial e gera menos empregos que o necessário, o que gera desconfiança. É preciso criar mais confiança também no mercado da dívida.
Fala-se muito da crise na Europa e pouco na dos EUA, mas os EUA têm uma dívida muito superior à europeia e um deficit externo bem maior do que o europeu. Eles precisam dar uma contribuição ainda maior do que a Europa para o fim da crise. Isso tem de ser debatido no G20 com grande transparência.

A contribuição do governo Obama para o fim da crise está aquém do desejado?
Sem dúvida que sim. Seria muito importante que a recuperação norte-americana fosse mais intensa. Se os EUA não tivessem o dólar, seguramente estariam hoje numa situação ainda muito mais difícil do que a que atravessam.
Mas há limite para que a poupança mundial suporte a dívida americana. É importante que os próprios EUA deem sinais claros ao mundo de que irão conter o seu deficit público, dar mais espaço à economia privada e ao crescimento do emprego.
Espero que o presidente Obama possa levar essa mensagem ao G20.


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