São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

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Presidente palestino pode ser maior vítima

Rival do Hamas, Mahmoud Abbas reage com incoerência à ofensiva israelense em Gaza e recebe críticas na Cisjordânia

Dirigente é visto como fraco diante de Israel e carente de liderança; na população, cinismo substitui crença na criação do Estado palestino

TOBIAS BUCK
DO "FINANCIAL TIMES"

O ataque de Israel contra a faixa de Gaza foi lançado para destruir a infra-estrutura política e militar do Hamas. Mas é Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) e rival do grupo islâmico, quem pode emergir como maior baixa política do conflito.
Desde o início do bombardeio israelense, Abbas e seus aliados na Cisjordânia vêm se esforçando para dar uma resposta coerente: primeiro, apressaram-se a condenar os ataques aéreos e expressar solidariedade ao 1,5 milhão de palestinos de Gaza. Mas sua mensagem ficou confusa quando os ataques prosseguiram: vários funcionários de alto escalão da ANP culparam o Hamas pela morte e a destruição. O próprio Abbas apresentou argumento semelhante, quando disse que os ataques poderiam ter sido evitados se os islâmicos tivessem parado de disparar foguetes contra Israel.
Não é o que os palestinos da Cisjordânia ocupada querem ouvir de seu líder num momento em que seus compatriotas em Gaza estão sendo mortos pelo inimigo israelense. O Hamas, pelo contrário, pode mais uma vez retratar-se como o desafiador implacável de Israel. "A popularidade do Hamas cresce com cada palestino que é morto", diz Munther Amira, ativista no campo de refugiados de Aida, na periferia de Belém.
Amira é filiada ao Fatah, o partido de Abbas. "Mas, quando vejo que ele culpa o Hamas pelas mortes, isso é muito duro para nós. Não estou satisfeito com ele", acrescenta.
De acordo com Ali Jarbawi, professor de ciências políticas na Universidade Bir Zeit, na Cisjordânia, a crise atual vai reforçar as percepções negativas de Abbas. "Abu Mazen (Abbas) não é visto pelos palestinos como líder. Ele não possui o carisma necessário; suas reações são lentas. Nas circunstâncias atuais, as pessoas precisam de uma direção inequívoca e uma liderança forte, mas não é isso o que estão recebendo."
Mesmo antes dos ataques, Abbas e a ANP eram vistos como demasiado dóceis em relação a Israel. A esperança de que sua postura pró-ocidental pudesse levar os palestinos a um Estado independente já se desvaneceu há tempos, dando lugar a uma atitude de cinismo. As conversações de paz de Abbas com Israel não avançaram. Isso vem levando muitos palestinos a questionar o porquê de seu presidente ser tão ansioso por satisfazer as exigências de Israel e dos EUA por uma repressão dura aos ativistas do Hamas na Cisjordânia.
Ainda mais prejudicial ao presidente, talvez, foi sua incapacidade de unificar o movimento palestino após os combates entre seguidores do Hamas e do Fatah em Gaza em 2007. Os choques levaram à tomada islâmica da região, abrindo um abismo entre os dois territórios e pondo um fim às idéias de unidade palestina.
Mesmo no caso pouco provável de os ataques israelenses levarem à expulsão do Hamas de Gaza, há poucas chances de o Fatah e Mahmoud Abbas simplesmente voltarem para reunificar os dois territórios. Que o presidente palestino entrasse nos escombros de Gaza num tanque israelense seria visto como o insulto máximo.
Em lugar disso, o ataque a Gaza, segundo Jarbawi, levanta mais uma vez a dúvida crucial em torno da própria ANP. "Para quê precisamos de uma Autoridade Palestina se ela não consegue nos dar um acordo de paz e tampouco é capaz de pegar em armas contra Israel?"

Tradução de CLARA ALLAIN



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