São Paulo, sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

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Líder palestino pede tropas do Brasil

Em entrevista à Folha, presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, defende presença militar na região

Líder também critica o Irã, que seria obstáculo à paz na região por dar apoio aos radicais do Hamas na faixa de Gaza

Mohamad Torokman-13.dez.2010/Reuters
Abbas durante reunião da Organização para a
Libertação da Palestina, na Cisjordânia


SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O Brasil não só merece ter papel atuante na geopolítica do Oriente Médio como também poderia fornecer soldados à missão de paz da ONU que os palestinos querem para proteger um futuro Estado independente.
A afirmação foi feita em entrevista à Folha pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas. Ele chegou ontem a Brasília para participar da posse da presidente Dilma Rousseff e agradecer a recente e polêmica decisão do governo Lula de reconhecer a Palestina como Estado.
O Brasil deve integrar uma outra missão de paz da ONU na região, no Líbano, em 2011, enviando uma fragata e pelo menos 150 militares.
Na conversa de 25 minutos com a reportagem, na suíte de um hotel, Abbas fez duras críticas ao Irã, a quem acusou de ser um obstáculo à paz por apoiar o grupo islâmico extremista Hamas, rival do secular Fatah.

Folha - Qual a sua mensagem à presidente Dilma? Mahmoud Abbas - Direi que estou muito feliz em tê-la conhecido antes da eleição e em poder fazer parte dessa grande festa popular. Temos certeza que ela dará seguimento ao caminho trilhado pelo presidente Lula rumo à paz mundial. As relações bilaterais com o Brasil são excelentes.


O fato de o Brasil ter reconhecido um Estado palestino favorece o projeto aventado meses atrás de se declarar unilateralmente a independência da Palestina?
Este projeto não existe de maneira nenhuma. Mas o reconhecimento do Brasil de um Estado palestino nas fronteiras de 1967 [Cisjordânia e Gaza] é um passo gigante rumo à nossa independência. É pela negociação que queremos chegar à solução.


Como o sr. vê as ambições do Brasil no Oriente Médio?
O mundo ficou muito pequeno, tudo é interligado. O Brasil é uma potência mundial que merece ter um papel nas grandes questões globais, incluindo a palestina. A geografia pouco importa. Há cooperação política constante entre China, Indonésia, Rússia, África para resolver os problemas de forma mais eficiente, e isso é positivo.


O Brasil deve fornecer tropas e navios à missão da ONU no Líbano. O senhor acha pertinente a ajuda brasileira se estender ao plano militar?
O peso político do Brasil é mais importante do que qualquer cooperação militar para ajudar a solucionar os problemas do Oriente Médio. Já está provado que as operações militares têm alcance limitado. Isso dito, não somos contra a presença de forças internacionais na hora de declarar um Estado palestino independente. A participação do Brasil seria muito bem vinda nesse contingente internacional. Não seria uma força com vocação bélica, mas de manutenção de paz. Israel e EUA já sabem dessa nossa exigência para mantermos nossa segurança no chamado "day after" [dia seguinte]. Ainda não temos uma posição do Brasil sobre essa ideia.


No ano passado, o senhor disse à Folha que pretendia pedir ao presidente Lula que interferisse junto ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para que parasse de apoiar o Hamas. Teve algum retorno?
Não, mas continuamos querendo que o governo brasileiro use suas boas relações com o presidente iraniano nesse sentido. O Irã é motivo de preocupação mundial.


Há quem diga que o Irã é um dos principais obstáculos à paz, por apoiar o Hamas e criar discórdia entre palestinos. Concorda?
Concordo plenamente com essa afirmação. O problema, do nosso ponto de vista, é que o Irã está apoiando apenas uma parte do povo palestino, e não sua totalidade. Isso é inaceitável. Já tratamos disso com os iranianos. Explicamos que queremos uma posição mais justa.


O que responde aos que acusam o seu governo de não ter legitimidade, já que o Hamas ganhou o pleito de 2006?
Estamos fazendo o possível para obter reconciliação interna. Não estamos negando que o Hamas ganhou as eleições, mas tanto os períodos legislativo e presidencial já haviam terminado. Sim, o Hamas ganhou as eleições legislativas, mas eu ganhei as presidenciais antes.


Estranho o sr. falar de reconciliação palestina após o WikiLeaks mostrar estreita cooperação entre seu governo e os serviços secretos israelenses contra o Hamas.
Existe apenas um documento do Wikileaks no qual somos citados. O documento não diz que estávamos envolvidos com os israelenses nessa guerra. O texto diz que Israel nos consultou para saber se queríamos retomar Gaza, e nós respondemos claramente que jamais voltaríamos à região em cima dos tanques israelenses. Não temos nenhuma colaboração com Israel contra o Hamas.


Como está a investigação sobre Mohamed Dahlan [ex-chefe de segurança em Gaza], que teria tentado um golpe para tomar seu lugar à frente da ANP?
Há vários pontos de interrogação. O comitê central do Fatah está apurando o caso. Ele não foi expulso do partido, apenas está suspenso de participar das reuniões. Todo mundo é inocente até que se prove o contrário.


Quando o sr. retomará o diálogo de paz com Israel?
Quando parar por completo a colonização. Estamos dispostos a entrar nas discussões sobre as questões finais, especialmente segurança e fronteiras. Mas só depois que Israel respeitar a legalidade internacional.


Como o sr. vê a evolução do governo do presidente Barack Obama?
Nossa esperança é que Obama se reaproxime do caminho da legitimidade internacional. Temos muita confiança nele. Mas é claro que ele poderia fazer mais.


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