São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004


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ÍNDIOS S.A.

Produção de artesanato e de vegetais pode levar comunidades à autonomia econômica

Índios exibem lado empreendedor

TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Os índios brasileiros entraram para os livros de história como aqueles que não se adaptaram ao trabalho escravo durante a colonização portuguesa. Do episódio, levaram, por anos, a fama de "preguiçosos". Nos capítulos do futuro, porém, é possível que as tribos atuais venham a ser descritas como um povo dotado de forte habilidade empreendedora.
A suposição não é lenda. Hoje, no território nacional, germinam negócios promissores conduzidos por comunidades indígenas. Os produtos têm atrativos valorizados pelo mercado -são orgânicos, artesanais, exclusivos, bem-acabados. O modelo de gestão, social e ambientalmente responsável, já fatura prêmios.
Foram muitos os passos que fizeram o "homem puro", que caçava, pescava e plantava, virar o negociante que hoje compra frutas do vizinho branco para fabricar polpa. "A globalização alcançou também as aldeias", diz Carmen Junqueira, pesquisadora de etnologia indígena e professora do Departamento de Antropologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Para a especialista, o contato com a cultura branca via TV, por exemplo, vem "reformulando a organização das tribos". "Perceberam alternativas a uma necessidade financeira premente."

Autonomia
Entre as organizações não-governamentais que atuam na área, um "novo indigenismo" ganha força e apóia projetos dessa ordem, em defesa da autonomia econômica das populações nativas como atalho para a libertação do assistencialismo.
"É ruim ter de pedir tudo à Funai (Fundação Nacional do Índio), fazer um projeto a cada vez que se quer recursos para uma festa", ilustra Augusto Nascimento, 32, antropólogo do CTI (Centro de Trabalho Indigenista).
A ONG, que tem projetos de educação para os povos timbiras dos Estados do Tocantins e do Maranhão, vem auxiliando a viabilização de uma rede produtora batizada de Frutos do Cerrado.
Proprietária da fábrica FrutaSã, a associação timbira Vyty-Cati produz polpas de frutas regionais vendidas no comércio local e, às vezes, no Distrito Federal. Para garantir o volume de matéria-prima necessário à competitividade, compra frutas de pequenos produtores vizinhos da reserva.
"[A opção] é duplamente estratégica porque também forma um cinturão de "aliados" ao redor [das terras] e evita a invasão da cultura de soja, que devasta a mata", observa Omar Silveira Júnior, 26, gerente administrativo do CTI.
Várias tribos também são fornecedoras. No sul do Maranhão, as aldeias cricatis Recanto dos Cocás e Raiz vendem parte da safra à FrutaSã. "Além das espécies nativas, outras estão sendo introduzidas, como o açaí", diz Lourenço Milhomem, chefe do posto local da Funai. A meta é fabricar 100 mil toneladas/ano (em comparação com as atuais 80 mil/ano).

Tradição reinventada
O projeto Arte Baniwa, conduzido por cerca de cem comunidades amazônicas das margens do rio Içana, na região do alto rio Negro, é apontado como um "negócio de índio" bem-sucedido.
Uma parceria com a Tok & Stok, intermediada em 1998 pela ONG ISA (Instituto Socioambiental), converteu a cestaria baniua em produtos consumidos nas 24 lojas da rede no Brasil.
Para inaugurar a trilha que leva a aldeia à prateleira, foi necessária muita flexibilidade -tanto de um lado quanto do outro. "Tivemos de construir um novo padrão de negociação, reconsiderar prazos e outras exigências feitas à indústria. Mas é totalmente válido, o acabamento deles é admirável, e a aceitação do público, enorme" ressalta Cláudia Moretti, gerente de produtos da Tok & Stok.
Na visão de Natalie Unterstell, 20, da equipe de alternativas econômicas do ISA, mais do que a geração de renda, a parceria "reinventou a tradição da cestaria".
"Não é um "resgate", é uma recriação. Hoje eles têm um manual de produção, o aperfeiçoamento é contínuo." Premiado pela Ashoka, ONG que incentiva o empreendedorismo, o modelo será aplicado a produtos de outros povos, como os bancos de madeira feitos pelo povo tucano, também da região do rio Negro.


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