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New York Times

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Cavernas protegem civis sírios da guerra

Por C. J. CHIVERS

SARJAH, Síria - Depois que um avião militar sírio despejou uma bomba perto de sua casa no ano passado, Abdulkader Darwish reuniu sua família e fugiu. Eles não foram longe. Aventurando-se com uma pá por uma plantação de oliveiras nas proximidades, ele escavou a entrada selada de uma caverna romana abandonada.

Nove meses depois, dezenas de membros da família Darwish viviam amontoados naquele espaço úmido e quase sem luz. Eles ganhavam vizinhos o tempo todo, moradores de uma comunidade subterrânea no noroeste da Síria.

"Existem muitas cavernas aqui, uma fila de cavernas, como uma aldeia antiga", disse Darwish.

"Todas elas foram limpas e hoje estão ocupadas. Não há uma caverna vazia."

A sangrenta guerra civil entre o governo do ditador Bashar Assad e a oposição entra em seu terceiro ano, e os militares de Assad continuam atacando os vilarejos aliados aos rebeldes. Assim, inúmeras famílias sírias esperam a violência passar nas cavernas de tempos antigos. Elas fazem parte dos 4 milhões de pessoas que a ONU estima que foram forçadas pela guerra a deixar suas casas, um deslocamento que parece crescer a cada semana.

Essas famílias levam uma vida sombria -uma rotina de tentar comer, se aquecer e coletar lenha e água na natureza, enquanto escutam o som de aviões e de morteiros que se aproximam.

Há várias explicações sobre as origens desses abrigos subterrâneos, muitos dos quais estão situados entre outras ruínas romanas. Algumas dizem que eles já foram abrigos para gado. Segundo outras, eram moradias temporárias, ocupadas enquanto residências maiores eram construídas nos séculos antes de Cristo. Talvez algumas fossem criptas.

Essas cavernas da Era Romana tornaram-se essenciais mais uma vez, restauradas para o uso moderno porque suas paredes espessas oferecem maior probabilidade de sobrevivência para uma população sob fogo.

Os aldeões da província de Idlib falam que dezenas de milhares de pessoas vivem dessa maneira. Enquanto esses números não são verificáveis, existem sinais de que a demanda por cavernas supera a oferta.

"Esta foi a única caverna que encontrei quando cheguei aqui", disse Ahmed Sheikh, 51, cuja família vive em uma caverna menor que a da família de Darwish, que tem quatro cômodos e fica um pouco mais acima na montanha.

Em outras cidades da província, parte da população permanece em casas. Nesses lugares, algumas famílias contam com as cavernas somente como abrigos antibombas temporários, lugares para onde correr durante o perigo. Seus abrigos variam de buracos recém-escavados sob lajes de pedra até quartos profundos como porões, conhecidos como "beli", onde alimentos e ração animal seriam guardados normalmente.

Para aqueles que têm a sorte de possuí-los, os abrigos temporários podem ser abastecidos com lamparinas de querosene, cobertores e colchões, oferecendo às famílias um lugar para passar as horas ou as noites mais perigosas.

Mas, em muitas aldeias, como em Sarjah, que o governo puniu com o que parece uma fúria especial, os riscos são de outra ordem. As pessoas se mudaram do centro das aldeias para as cavernas rurais em tempo integral. Elas não pretendem deixá-las até que os militares de Assad enfraqueçam a ponto de que suas armas não consigam mais alcançar regularmente seus antigos povoados.

"Tornou-se impossível viver na aldeia sem nos expor à possibilidade de morte a qualquer momento", disse Sheikh.

Ele passou 35 dias melhorando sua caverna depois de recuperá-la no último verão. Instalou um fogão a lenha, abriu um buraco para ventilação, cavou e retirou lama e pendurou cobertores para reduzir as correntes de ar e criar uma área mais quente que o resto.

Sua família é caprichosa. O quarto mais quente está limpo e os sapatos são empilhados na beirada. "Eu mantenho tudo organizado", disse Sheikh.

A limpeza sozinha não pode afastar as dificuldades. Depois de suportar o inverno, disse, sua mulher ficou com as pernas inchadas. Seus três filhos menores sofrem infecções no pulmão e dor de ouvido.

Enquanto ele falava, a artilharia ecoava de modo intermitente. O Exército de Assad estava atacando as cidades ocupadas pelos rebeldes na montanha.

Vinte e cinco membros da família de Sheikh foram mortos, a maioria por esse tipo de bombardeio, alguns em batalhas nas linhas de frente.

Outro habitante de uma das cavernas de Sarjah, Ibrahim Haj Musa, 50, estava perto de uma coluna de pedra úmida na escuridão e manifestou sua decepção com o mundo exterior, acusando a ONU e o Ocidente de pouco fazerem para aliviar o sofrimento da Síria.

Morro acima, rochas foram empilhadas para formar as paredes de um pequeno abrigo. Um cobertor pendurado servia de porta, escondendo uma trincheira aberta.

Mais adiante, depois de outra caverna da qual várias crianças espiavam, Aziza Sheikh, uma parente de Ahmed, pendurava roupa lavada em uma corda ao ar livre. Dentro da caverna, Yousef Sheikh, de 5 meses, dormia em uma pequena rede.

A mãe disse que passou os últimos meses de gravidez nessa caverna e a deixou apenas para ter o filho em uma estação de ajuda. Aziza disse que vai criar seu bebê aqui, embaixo da terra.


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