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Crise na Europa estimula neologismos

Gírias refletem humor negro frente às dificuldades

Por RAPHAEL MINDER

MADRID - Os portugueses cunharam um novo termo, "grandolar", que nasceu com a crise do euro e significa "submeter um ministro a um protesto cantado, entoando o hino revolucionário 'Grândola, Vila Morena'". Mas hoje, depois de três anos de austeridade, até as crianças portuguesas "grandolam" seus pais quando não querem tomar banho.

Os italianos, que hoje acompanham o "spread" entre os rendimentos de títulos de dívida alemães e italianos com a mesma paixão antes reservada ao futebol, adotaram termos como "spreaddite", definido ironicamente pelo jornal romano "La Repubblica" como "a intensificação do sofrimento provocado pelo 'spread' alto".

Na Grécia, frases nascidas da crise pontuam conversas em cafés, escritórios e vagões do metrô, especialmente o uso irônico de expressões ou slogans proferidos por políticos, como uma afirmação do então primeiro-ministro George Papandreou, em 2009, dizendo que havia dinheiro -quando evidentemente não havia. "Deixem comigo", disse um grego a seus amigos que festejavam seu aniversário numa taverna em Atenas, quando iam tirar as carteiras dos bolsos. "Há dinheiro, lembram?"

Em um país europeu após outro, a crise vem gerando gírias que refletem o humor negro usado por muitos para enfrentar seus problemas contínuos.

As mudanças na linguagem são tantas que, em junho, a Academia Real Espanhola, guardiã do idioma espanhol, deu os toques finais em um dicionário atualizado de 200 termos acrescentados ao léxico ou que ganharam significados novos. Entre eles está o preocupante "prima de riesgo" (prêmio de risco), exemplificado com: "O prêmio de risco de nossa dívida soberana subiu vários pontos".

Hoje os espanhóis empregam esses termos com tanta frequência que eles podem aparecer tanto numa conversa com um taxista quanto no jornal noturno da TV. Em matéria de linguagem existe o "poukou" -como os gregos descrevem a era anterior à crise- e o agora.

"A crise está tendo um impacto enorme sobre a sociedade e o uso da língua, levando as pessoas a falar da economia de uma maneira diferente de alguns anos atrás", explicou Darío Villanueva, secretário-geral da Academia Real Espanhola, cujos 46 membros incluem escritores, cientistas, historiadores, economistas e advogados.

Para atualizar o dicionário espanhol, a academia usou um sistema computadorizado para medir a frequência de milhões de palavras proferidas na televisão, no rádio e nos jornais. Ela também acordou as modificações com suas academias "irmãs", em sua maioria na América Latina, para harmonizar as novidades linguísticas no mundo hispanófono.

Entre os termos incluídos está "bonus" (bônus), que não era usado comumente em espanhol antes de as atenções se voltarem aos banqueiros espanhóis em dificuldades e o dinheiro que ganham. Há também "burbuja", ou bolha, como a bolha do mercado imobiliário que estourou, e "población activa", ou a população com idade própria para trabalhar, termo que passou a ser amplamente utilizado porque uma parcela considerável dessa população está desempregada.

Vários termos ligados à crise econômica fazem parte dos 5.000 novos termos acrescentados à versão atualizada do "Duden", a obra definitiva do idioma alemão, publicada em julho. Entre eles estão "schuldenbremse", literalmente "freio da dívida", e "eurobond", alusão às propostas de que a UE emita títulos de dívida para cobrir a dívida de países que usam o euro.

O sociólogo francês Denis Muzet lançou recentemente o livro "Les Mots de la Crise" (As palavras da crise). A lista dele inclui "perte du triple A" (perda do triplo A) (a classificação de crédito da França), "suppressions d'emploi", ou cortes de empregos, e "choc de compétitivité", choque de competitividade.

A austeridade é tão onipresente que, em alguns lugares, o termo é aplicado a quase tudo. Se uma portuguesa usa saia curta, um admirador pode perguntar em tom de chiste se ela está praticando austeridade -ou seja, economizando no tecido.

A crise europeia já está em curso há tanto tempo que está definindo uma geração que, na Espanha, é descrita como "Ni-Nis" (nem-nem) -os jovens que não estudam nem trabalham. Ou "geração à rasca" (em dificuldades), como é descrita em Portugal.

"Lamentavelmente, conheço os Ni-Nis bem demais, porque tenho uma em casa", falou a desempregada Carmen Blanco, 43, aludindo à sua filha de 20 anos. "Sem um diploma, já deixei claro para minha filha que ela corre o risco de ser uma Ni-Ni pelo resto de sua vida."

A terminologia das pessoas em dificuldades não descreve unicamente pessoas jovens.

Na Grécia, onde os cortes de salários e o desemprego de 27% obrigaram parte da população a reduzir seus gastos para o fundamental absoluto, fala-se dos "neoptohi", ou novos-pobres -um trocadilho envolvendo o termo "novos-ricos" em grego.

Há nomes de todos os tipos para designar tipos de protestos e de manifestantes. Na Espanha os manifestantes se descrevem como os "indignados". Manifestantes idosos são descritos como "yayoflautas", ou flautas velhas. "Marea blanca" (maré branca) é uma alusão às ondas de médicos e enfermeiros de avental que têm promovido protestos contra os cortes na saúde pública.

O único termo compartilhado por quase todos na Europa é "troika", uma alusão aos três credores internacionais que cidadãos em dificuldade, de Lisboa a Atenas, responsabilizam por seus problemas: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia.

Colaboraram Elisabetta Povoledo, Niki Kitsantonis, Marisa Moura e Maïa de la Baume


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