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Análise

Os ricos fazem política

Em alta o filantropo com atuação política

Por NICHOLAS CONFESSORE

Nos últimos 30 anos, à medida que o abismo entre ricos e pobres cresceu cada vez mais nos Estados Unidos, as doações filantrópicas quase triplicaram, segundo estimativas anuais divulgadas pela fundação Giving USA e o Centro de Filantropia da Universidade do Indiana. Numa época em que a confiança nos governos cai e em que mais pessoas partem para a defesa de causas em que acreditam, produziu-se um tipo distinto de filantropo: o bilionário que exerce influência sobre políticas públicas.

Bill Gates, o co-fundador da Microsoft, já investiu mais de US$13 bilhões em iniciativas de saúde em todo o mundo, por meio de sua fundação. William E. Conway Jr., um dos fundadores da firma de investimentos Carlyle Group, pretende doar US$1 bilhão de sua fortuna pessoal. Consta que ele está analisando como seu dinheiro poderá ajudar a financiar projetos de infraestruturais.

De modo condizente com o espírito dos tempos, que é contrário à presença forte do Estado, os novos filantropos têm em comum um desdém pela política estabelecida e uma impaciência com a lentidão do processo tradicional de traçado de políticas públicas. Em outubro o executivo da Starbucks Howard Schultz, cuja fortuna líquida é de perto de US$750 milhões, propôs usar a fundação corporativa da Starbucks e donativos de consumidores para criar um programa de desenvolvimento econômico e treinamento profissional para desempregados.

"Como cidadãos corporativos do mundo, é nossa responsabilidade servir às comunidades nas quais temos atuação comercial", escreveu Schultz, "ajudando, por exemplo, a melhorar a qualidade do ensino dado aos cidadãos, do emprego, da saúde, da segurança e da vida cotidiana geral, além das perspectivas para o futuro."

Mas será que filantropos, mesmo os mais ricos, têm condições de financiar serviços públicos na escala do próprio governo?

Uma maneira de fazer isso acontecer: ao invés de procurar suplantar o que faz o governo, os filantropos podem financiar um trabalho de defesa de causas para mudar o que o governo faz.

Um estudo ainda inédito do Comitê Nacional de Filantropia Responsiva analisou cem organizações de bem-estar social em 13 Estados. Os grupos gastaram US$230 milhões com defesa e organização em favor da adoção de leis de salário mínimo, a ampliação dos créditos fiscais para os trabalhadores pobres, e outros programas. O estudo constatou que esses esforços geraram mais de US$ 26 bilhões em benefícios diretos e indiretos a indivíduos.

O pouco apreço que os filantropos políticos conservadores têm pelo governo não os impede de perceberem o valor de influir sobre o governo; nos anos 1980 e 1990, seu dinheiro ajudou a criar toda uma infraestrutura de organizações de pesquisa dedicadas a reduzir o papel do governo. Nos últimos dez anos, ou mais ou menos, essa posição também vem sendo adotada pela esquerda política, e alguns grandes doadores de esquerda começaram a tirar seu dinheiro de organizações de caridade, deslocando-o para defesa de causas políticas.

Esse mesmo espírito vem cada vez mais animando algumas das maiores filantropias dos Estados Unidos. Depois de fazer experimentos com o financiamento direto de novas escolas experimentais, alguns dos maiores partidários das "charter schools" (escolas públicas mas de gestão privada), entre eles a Fundação Gates, começaram a injetar bilhões de dólares na defesa de suas propostas aos níveis federal, estadual e local. Um resultado: um programa de US$4,3 bilhões da administração Obama.

Dependendo do ponto de vista, esse tipo de filantropia pode parecer benevolente ou antidemocrática. "É uma espécie de tráfico de influência em grande escala", opinou Richard L. Brodsky, membro sênior da organização de pesquisas Demos e ex-deputado estadual por Nova York. "A noção de que a sociedade estaria melhor servida com os super-ricos exercendo seus instintos caridosos é, em última análise, antidemocrática."

Um caminho do meio pode ser sugerido por dois outros esforços filantrópicos recentes. No outono passado, Mark Zuckerberg, um fundador do Facebook, contribuiu com US$100 milhões para investimentos nas escolas públicas de Newark, Nova Jersey. E, em agosto, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, doou US$30 milhões de sua fortuna pessoal para iniciativas para rapazes negros e hispânicos da cidade. A esse valor se somaram outros US$30 milhões de outro bilionário, George Soros.

"Não estamos pensando em dólares filantrópicos em substituição aos públicos", disse Cami Anderson, gestor das escolas de Newark. "Pretendemos usá-los para coisas que precisam ser aceleradas -onde apenas dinheiro particular pode facilitar a inovação, devido às restrições impostas às fontes de verbas do governo."

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